
Primeiro, pegue uma por uma, sopese-as, aprecie o tom arroxeado das pétalas. A alcachofra vem do Oriente Médio, como o próprio nome denuncia, e atravessou mares e continentes para chegar até tuas mãos. Os gregos já a representavam em ânforas e mosaicos, e certos capitéis romanos foram certamente inspirados em sua forma elegante.
Em seguida, coloque-as numa panela de pressão, pois a modernidade permite este progresso, e deite água até que as alcachofras estejam quase submersas. Aprecie pela última vez o violeta das pétalas, pois dali sairão esmaecidas após os suficientes 12 minutos de cozimento depois do início da fervura.
Enquanto espera, ponha pra tocar uma boa gravação de Mozart, de preferência o Concerto para Clarineta K.622, e prepare o mais clássico dos acompanhamentos. Existem outros, mais elaborados, mas estamos saboreando a História sob a graciosa forma de alcachofra, e não convém atropelar os fatos. Em suma, pegue três colheres de sopa de bom azeite, ibérico ou mediterrâneo, junte sal e pimenta do reino moída na hora, duas gotas de limão, misture numa molheira baixa e voilá!
Abra a panela com cuidado e escorra uma alcachofra, ainda fervente. Se fores realmente sabido, estarás acompanhado, portanto escorra duas e coloque-as em pratos individuais, numa mesa previamente arrumada, onde não deverão faltar um garfo e uma faca afiada, além de guardanapos. Lembra de que as brácteas da alcachofra depois de saboreadas são como páginas arrancadas de um caderno e ocuparão um espaço muito maior do que imaginas, portanto providencia uma vasilha ou travessa suficiente para acolher os restos de tua volúpia.
Se cumprires com afinco estes procedimentos, podes então sentar e iniciar o ritual, após mirar fundo os olhos da companheira. Um pequeno riso nervoso geralmente antecede o primeiro gesto, o de arrancar a primeira pétala. Comece pelas maiores, mas não confunda jamais este ato com os malmequeres de tua infância, pois certamente te atrapalharás na contagem. Uma vez destacada, você deve umedecer a base carnuda e tenra no molho, introduzi-la na boca, cerrando os dentes sem violência. Puxe então, raspando-a, e saboreie o que restou na tua língua, exótica iguaria com longínquo travo amargo de noites montanhosas do Mediterrâneo.
Por estranho capricho, esta planta da família das compostas não aceita a companhia do venerável vinho. Os aromas e sabores brigam entre si, sabotam-se, estiolam-se. Dizem que há um lendário vinho grego que realizou o nobre pacto, mas pode ser apenas uma lenda. Prefira a generosa e espumante cerveja, combinação perfeita de amaros que se completam amorosamente.
Acabaram-se as brácteas, cada vez mais finas, quase transparentes. A vasilha está cheia, e convém esvaziá-la se pretendes repetir o prato. Descarte as últimas pétalas, assim como aquelas pequenas e duras próximas ao caule, e sobrará na tua mão um pequeno disco acinzentado, com a superfície coberta de finos e pontiagudos pelos. Não ponha-os na boca, de jeito nenhum, pois são ásperos e cruéis! Lembra-te dos girassóis? Pois são da mesma família, e se acaso um dia tiveres a felicidade de ver uma alcachofra em plena florada, verás que esta corola se tinge de um certo roxo-violáceo luminoso, aquele tom que o povo houve por bem chamar de cor-de-maravilha.
Contenha a ansiedade, respire fundo e comece a tirar com os dedos pequenas porções dos estames. Cuidado, pois se tentares arrancar um feixe muito grande terás o desgosto de ver a base se partir. A operação requer certa arte, aquela à qual se refere o título destas instruções. Há quem use nesse momento a faca que colocamos à disposição, mas em mãos inexperientes o resultado pode ser decepcionante.
Porém és uma pessoa hábil, e tens agora nas mãos, intacto, um coração de alcachofra nu e tenro, oferecendo-se ao paladar. Corte e dispense a base do caule, fibrosa e amarga em demasia, e divida o círculo macio em quatro partes.
Agora toma o garfo, espeta um pedaço com a firmeza que a emoção lho permitir e mergulha-o na molheira, que deverá ter sido reabastecida. Saboreie de olhos fechados, ouvindo o último movimento do divino Concerto. Toma de outro pedaço, e mais outro e, quando chegares ao fim, estarás mais sábio, mais consciente dos sabores do universo e, certamente, mais feliz.