Livro de memórias é sempre um desafio. Para quem escreve e para quem lê. Uma coisa é escrever ficção, inventar causos, se colocar na pele de múltiplos personagens. Outra é se desnudar em público, contando a própria vida de forma transparente, com os tombos e as alegrias que ela pode conter.
Chico Lopes, escritor experiente, autor de três livros de contos e uma novela, também crítico de cinema e pintor, se sai muito bem na tarefa. Nascido numa cidade pequena, Novo Horizonte (SP), descreve com acuidade o cenário cultural estreito e sem perspectivas, a clássica estrutura familiar patriarcal, a dificuldade de crescer num ambiente onde gostar de “arte” é visto de maneira preconceituosa.
Creio que muita gente sentiu isso, durante a infância e a adolescência. Muitos desses inquietos se mandaram pra metrópole, e hoje são jornalistas, artistas, professores, etc. Outros são apenas frustrados, sem nunca terem desenvolvido totalmente sua potencialidade. Uns ficaram para trás, outros piraram. Chico Lopes construiu uma trajetória singular: depois de 40 anos na cidade natal, mudou-se para Poços de Caldas, onde vive até hoje, produtivo e conectado com o mundo.
Não conheço Novo Horizonte, mas muito me lembrou a Itabira de Drummond, aquela do verso “Eta vida besta, meu Deus!”. Chico Lopes, que conheci pessoalmente há pouco tempo, escreve com fluência e ritmo admiráveis, além de demonstrar tocante sinceridade. A leitura me envolveu desde o início, e varei o livro em duas noites, reconhecendo aqui e ali personagens e situações embrionárias depois desenvolvidas em seus melhores contos.
Eu, que nasci e vivi em cidades grandes, de vez em quando tenho vontade de procurar um novo horizonte. Um livro como o de Chico Lopes faz pensar, refletir, e reavaliar nossa vida. Claro que as cidades mudam, algumas lentamente, outras de forma destrutiva. Mas a eterna insatisfação humana, a vontade de “querer mais”, de mudar a rotina das coisas, essa pode estar presente em qualquer lugar: praia ou montanha, deserto ou floresta, centro ou subúrbio, vilarejo ou metrópole.
Chico lança no dia 8 de junho suas memórias em Novo Horizonte. Deve ser uma experiência fascinante voltar à terrinha e rever os rostos dos amigos, muitos registrados no livro. E imagino que seja motivador para os jovens insatisfeitos ver um conterrâneo voltar como escritor reconhecido, crítico atuante, tradutor e cronista de velhos e novos tempos.
A Herança e a Procura será lançado no dia 8 de junho, às 20h, na Rádio Esperança FM (Rua Otaviano Marcondes, 797). Brindarei ao teu sucesso, aqui de Sampa, Chico!
Ai, meu Deus! Leitores viciados, não deveriam ler blogs como este. Mais um título anotado, por conta da curiosidade aguçada por um bom leitor crítico. abraço, Daniel
dalila
Obrigado, Dalila! Chico Lopes é escritor atento à herança, mas que não desiste da procura. Vale a pena!