O varal

Essa foto foi feita na pequena vila de Suruacá, na margem esquerda do rio Tapajós, dentro da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns. Estive lá registrando o trabalho fantástico da Saúde e Alegria, organização não-governamental premiada internacionalmente que atua desde 1987 na região.

Todos reunidos na inauguração do primeiro telecentro movido a energia solar, festa, confraternização, lanche comunitário. Na volta, esperando o barco, andei por alguns minutos pela beira do rio, preocupado com tempestade que se anunciava, e topei com esse varal.

A foto em preto e branco acentuaria a dramaticidade do céu carregado, mas o colar colorido sobre a paisagem se perderia. Por sorte, uma figura humana solitária pontua o cenário, e dá uma ideia de proporção perante o majestoso Tapajós.

A vegetação em primeiro plano atesta a proximidade da água doce, e a areia branca que se esparrama a perder de vista é orgulho de toda a população ribeirinha. Ali perto, uma hora de barco a jusante, está Alter do Chão. São as praias mais famosas da Amazônia, cantadas em prosa e verso.

Mas o verso que me ocorreu naquele momento foi escrito pelo carioca Orestes Barbosa, na inesquecível canção Chão de Estrelas: “festa de nossos trapos coloridos”.  No cenário, onde esperava encontrar apenas o branco, o cinza e o azul, com alguma coisa de verde, os pedacinhos multicores alinhados impuseram uma nova hierarquia do olhar. A pequena comunidade, integrada à natureza há várias gerações, vivendo de pesca e borracha, talvez não saiba, mas escreveu poesia na paisagem.

2 Respostas to “O varal”


  1. 1 Cassiane Araújo 05/11/2020 às 11:28 pm

    Belo registro.


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