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Cultura engarrafada

Um lançamento literário de 2022 delimita várias áreas de intersecção entre sociologia, história, cultura popular e folclore. Da Botica ao Boteco, da jornalista Néli Pereira, é um ensaio dedicado a “plantas, garrafadas e a coquetelaria brasileira”. Editada com capricho pela Companhia de Mesa (um selo da Editora Schwarcz) em 2022, a autora se propõe a investigar as relações entre a farmácia dos povos originários, dos europeus e dos africanos, ligados a tradições ancestrais e de fundo religioso – as tradicionais garrafadas – e o surgimento de bebidas laicas baseadas nessas misturas, os famosos licores e xaropes alcoólicos.

Em princípio, isso seria apenas um livro sobre coquetéis com ervas, cascas e raízes. Mas o que observamos é que a autora realiza um minucioso trabalho de pesquisa sobre a origem de várias bebidas famosas e globalizadas que estão lastreadas em receitas ancestrais, como licores famosos, bitters, amaros, gins e vermutes. Muitas vezes, essas misturas de ervas e álcool foram criadas por médicos em expedições europeias de colonização nos novos mundos, aproveitando-se de informações das culturas locais. Um naturalista como Guilherme Piso (William Pies) compilou e publicou, em 1648, uma Medicinae brasiliensis com 110 plantas utilizadas aqui pelos indígenas.  Von Martius escreveu, em 1844, seu Natureza, doenças, medicina e remédios dos índios brasileiros, onde, botânico que era, descreveu várias espécies hoje populares em qualquer bar, como catuaba, carqueja ou umburana.

Néli Pereira abre seu livro com uma epígrafe de Guimarães Rosa e uma oportuna citação ao trabalho da pesquisadora Maria Thereza Lemos de Arruda Camargo, uma etnofarmacobotânica. Essa especialidade “é um desdobramento da etnobotânica e visa resgatar de grupos humanos os saberes sobre as plantas medicinais e seus usos a partir de remédios populares simples e compostos e as respectivas indicações terapêuticas”.

Isso significa não apenas ir atrás de tribos indígenas na Amazônia, mas também pesquisar terreiros, quilombos e bancas de feiras rurais, conversar com benzedeiras e raizeiras, investigar o que vem da botica e vem parar no boteco, com todo o contexto cultural que o cerca.

Parece familiar? Claro, estamos no terreno de antropólogos e sociólogos como Câmara Cascudo (História da Alimentação no Brasil), ou Gilberto Freyre, que dedica um  belo capítulo de sua obra mais divulgada, Casa Grande e Senzala, à descrição e análise das comidas e bebidas do Brasil colonial. Mais tarde, escreveria um volume sobre o Açúcar e toda a cultura criada em torno da cana.

A autora de Da Botica ao Boteco bebe de forma respeitosa destas fontes, e também ousa criar ficcionalmente encontros com feiticeiras, pajés, curandeiros e monges europeus em sua busca pelas misturas de ervas com álcool. Informação necessária: não apenas é uma pesquisadora, mas coloca em prática o que aprendeu em um bar-ateliê de coquetelaria de São Paulo, o Zebra. Elabora cartas de drinques e compartilha no livro receitas clássicas e autorais. É mestra em estudos culturais latino-americanos pela University of London, tem vários artigos jornalísticos publicados sobre o tema.

Existe uma saudável tendência em livros sobre comidas ou bebidas a pesquisar fontes e origens históricas, criando uma sociologia toda própria. Para um leigo, como o autor dessas linhas, isso pode ora soar como um verniz acadêmico chancelador de qualidade, ora como uma real intenção de buscar as raízes culturais de hábitos, costumes e fazeres. Quando Néli Pereira fala de jurubeba, butiá, sassafrás ou mastruz, quando descreve seus encontros com mestres e mestras das garrafadas numa aldeia indígena ou no mercado de Ver-O-Peso, quando cita sambas de Ney Lopes ou Arlindo Cruz, está demonstrando o quanto de cultura popular é destilada até chegar aos bares da moda. Vai da pesquisa, do aprendizado com livros e pessoas, à experiência iluminadora e criativa, de forma fluente e original.

Num mundo ideal, saberíamos de onde vem e como foi feito aquele drinque que tanto apreciamos, não importa a origem. Isso seria cultura. No mundo acadêmico, suposto repositório de toda a cultura formal, seria ideal retomarmos em doses imoderadas o projeto de Freyre, Cascudo e outros pesquisadores, nunca deixando de lado os sabores, cores e perfumes que estão presentes na formação de qualquer povo, qualquer nação.  

Comida, sensualidade e exibicionismo digital

Charlie Chaplin in the Shoe-Eating Scene from .

            O sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987) costuma encantar os leitores com seu texto fluente, saboroso, literário, onde subverte a ideia de que ensaios sociológicos devem ser pesados, acadêmicos, destituídos de qualquer concessão ao prazer. Casa Grande & Senzala, sua obra mais famosa, é cheia de descrições eróticas, engraçadas, musicais, apaixonadas. Freyre termina seu fabuloso ensaio falando de comida, e quase sentimos o cheiro das tapiocas, dos doces, dos tabuleiros das pretas quituteiras, dos “mocotós, vatapás, mingaus, pamonhas, canjicas, acaçás, abarás, arroz-de-coco, feijão-de-coco, angus, pão-de-ló de arroz, pão-de-ló de milho, rolete de cana, queimados, isto é, rebuçados, etc.”

            Toda vez que arrumo as prateleiras e sopeso o alentado volume (uma edição comemorativa dos 80 anos do autor, de 1980, com poemas de Drummond, Bandeira e João Cabral, desenhos de Santa Rosa, Cícero Dias e Poty), releio alguns trechos, fruindo o delicioso estilo do pernambucano.

Há alguns anos ganhei de um amigo um opúsculo editado em 1952 pelo Ministério da Educação e Saúde do Brasil. O título: “O Sensualismo Alimentar em Portugal e no Brasil”. O autor, Dante Costa.

Confesso que nunca tinha ouvido falar do escritor. Uma pequena pesquisa mostra que escreveu outros títulos relacionados à alimentação, além de livros de viagem e até um “O Socialismo”.

A tese de Costa é a de que os portugueses têm uma relação de amor com a comida, e os brasileiros, desdém. Lá pelas tantas cita Freyre, claro, mas seu método de pesquisa é baseado na literatura, não em andanças pelos tabuleiros das baianas.

Começa por Camões, de onde pinça versos do canto IX dos Lusíadas:

Mil árvores estão ao céu subindo

Como pomos odoríferos e belos:

A laranjeira tem no fruto lindo

A cor que tinha Daphne nos cabelos.

Encontra-se no chão, que está caindo,

A cidreira c’os pesos amarelos;

Os formosos limões, ali cheirando

           Estão virgíneas tetas imitando.”        

E Camões também fala de “amoras, que o nome tem de amores” entre outras saliências que mostram a forte relação dos portugueses com a comida desde os primórdios da língua. Nosso Dante cita Fialho D’Almeida, Eça de Queiroz (“o caráter de uma raça pode ser deduzido simplesmente do seu método de assar a carne”) e Ramalho Ortigão (“torrentes de ovos de fio brotam de rochedos de nogada, cobertos de chalets de massa, sobre tanques de torrão de Alicante, em que se abeberam pombas de rebuçado e boizinhos de pão-de-ló com chavelhas de açúcar e entranhas de creme.”).

            Para ele, escritor brasileiro só fala de fome, não de comida. “A pobreza mutila-lhe muito da alegria. Com as outras, vai-se a alegria de comer”. Segundo Dante Costa, as descrições de jantares e acepipes ”são raras na literatura, porque são raras na vida mediana do povo.” Citando uma conferência de Joaquim Ribeiro, diz que “a fome, no Brasil, começou com a civilização”.

            O ensaio foi publicado em 1952. Dante escreveria isso hoje? Se vivesse numa grande cidade brasileira, provavelmente não, a menos que focasse sua análise nas populações mais periféricas. Mas se passeasse pelo sertão nordestino, comprovaria a validade de sua tese. O que não significa que nos rincões mais desprovidos de Portugal a miséria alimentar também não existisse. Afinal, Eça e seus colegas de ofício viviam na cidade, não nos campos. Onde o sexo é só reprodução, não há sensualidade. Onde o ato de comer é somente uma questão de sobrevivência, não há como ser uma refinada fonte de prazer.

Mas o ensaísta se depararia com um fenômeno impressionante, no Brasil contemporâneo: a postagem de fotos de comida nas redes sociais. Significaria uma nova postura do brasileiro em relação à comida? A relação sensual com a alimentação estaria dominada pelo aspecto visual, antes dos outros sentidos?

Depende de que brasileiro estamos falando. Além dos casos clínicos de compulsão ou transtorno alimentar – e existem muitos na internet! -, há um ainda pouco estudado exibicionismo, que não oculta um sentimento de afirmação do nível social através da comida.

Quem era pobre e passou à condição de remediado, ostenta isso através do novo cardápio: “Veja o que eu estou comendo agora!”. A classe média, sempre aspirante ao luxo dos abastados, não perde a chance de, quando pode “comer fora”, ostentar a comilança nas redes. É quase impossível ir a um restaurante em São Paulo e não ver alguém na mesa ao lado fotografando o prato pedido. Desnecessário dizer que os verdadeiramente ricos e os verdadeiramente pobres, por motivos bem diversos, não praticam esse tipo de perversão.

Com a pandemia, este comportamento passou para o ambiente doméstico. Os pratos continuam sendo exibidos ad nauseam, agora com o acréscimo do “eu que fiz”. No entanto, quase sempre se nota o retro gosto de “eu posso”, ou “eu tenho”. Com poucas e honrosas exceções, o que se percebe não é um amor pelo alimento, mas pelo status que este confere ao indivíduo.

Pode-se dizer que a proliferação de programas culinários na TV, aberta ou fechada, na última década, contribuiu para o surgimento dessa nova seita de adoradores de comida. Mas não podemos esquecer o que Dante Costa percebeu, lá na década de 50: ainda somos um país de famintos, onde esse tipo de exibicionismo não deixa de carregar um incômodo tempero de classe.

(Publicado originalmente em A Terra É Redonda, em agosto de 2020).

Afogado em Paraitinga

Afogado 4

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Fim de semana em São Luiz do Paraitinga. Não um qualquer, mas o de 16 de maio de 2015, quando rolou a festa do Divino. A tradição da cidade é servir o afogado, onde a comida é servida de graça pra quem leva o prato. Na sexta, mataram 40 bois. 36 horas de trabalho contínuo, com serra de fita, machado e muitas facas, e na noite de sábado começa a ser servido o afogado (uma espécie de ensopado de carne com batatas, primo da vaca atolada e do goulash).

Não entrei na fila, que dobrava quarteirão. Tinha gente com balde, cumbuca, tupperware, o escambau. Tinha mãe que mandava os 5 filhos entrarem na fila, cada um com um pote. Garantiam comida pra semana inteira. Fomos prum boteco na praça, onde rolava a festa, pra tomar uma breja. Tinha afogado no cardápio, pedimos um, sem a benção do padre, pra não dizer que voltamos sem provar a iguaria. E nos divertimos muito.

Os anfitriões, Albano & Fernanda, sempre gentis. O casal Luiz Biajoni & Karen, muito engraçados. Tentei parecer inteligente, mas a concorrência era braba. Um pouco antes de chegar no agito, fiz esta foto:

Afogado 1

À esquerda, Fernanda, médica oncologista (esqueça o cigarro), sobrinha de Jorge Amado e neta de Graciliano. À direita, Luiz Biajoni, vários livros publicados, autor que está construindo uma trajetória totalmente original na literatura brasileira. No centro, Carmen Prado, física, professora da USP. Agora faço um desafio: quem desse trio já ganhou um prêmio Jabuti? Quem acertar ganha um convite pra tomar um vinho aqui em casa e ouvir o resto da história.

Uma pitada de gastronomia africana

Sempre fui curioso em relação a comida. Adoro experimentar novos sabores, texturas, aromas, conhecer os frutos típicos da terra, os pratos de resistência, os temperos. Carmen e Filipe, meus companheiros de viagem, também fazem parte desse time.

Nos primeiros dias em Cape Town provamos muitos frutos do mar e algumas carnes exóticas (hambúrguer de avestruz, por exemplo). Muitas lulas e camarões, que são servidos em três tamanhos: prince, queen e king. O primeiro momento de apreensão foi quando fomos apresentados à pimenta local, que recebe o inquietante nome de piri-piri. Sugestivo, não?

Peri-peri

No entanto, sob a forma de molho, a piri-piri (ou peri-peri) estava bem de acordo com o padrão a que estamos acostumados, no Sul do Brasil. Mais suave que um tabasco.  Um acarajé apimentado, na Bahia, é muito mais inclemente.

 Na segunda noite fomos ao Africa Cafe, um restaurante muito interessante onde provamos um menu temático. O cardápio diário é uma rodada-degustação com pratos típicos de vários países,  que muda conforme a estação. Uma espécie de pão frito de entrada (parecia tapioca), batatas recheadas do Malawi, verduras xhosa sul-africanas, camarões de Moçambique, carne de kudu de Botswana, arroz basmati (a influência indiana é significativa na costa leste da África), um frango de Ghana, lentilhas egípcias, um espinafre refogado com tempero congolês…

Africa Cafe

Devia ter fotografado os pratos antes de prová-los, mas a fome era tanta que só lembrei disso depois.  Uma boa carta de vinhos nativos, música típica no volume correto (aquele que permite uma boa conversa sem necessidade de elevar a voz) e garçonetes lindamente maquiadas completam o clima exótico. Recomendo!

Africa Cafe 2

 Depois de Cape Town, fomos para a região do Kruger, mais ao norte. Em três dias de safári, tivemos a oportunidade de provar várias carnes de caça. Kudu, impala, niala e warthog (mais conhecido como pumba, aquele javali do Rei Leão). Algumas churrasqueadas, outras cozidas. A impala pie é um prato característico, que tem pouco a ver com as tortas que conhecemos no Brasil. Uma espécie de omelete fofa recobre cubos de carne suculentos, cozidos como um goulash. Tá mais para uma versão africana da famosa venison pie.

Já na Zâmbia provamos gnu e crocodilo. Diferente de nosso jacaré, o croc tem a carne avermelhada, capaz de ser confundida com picanha, à primeira vista.  No Chobe Park, em Botswana, crocodilo na chapa era o prato principal de um bufê onde almoçamos.

Crocodilo na chapa

E foi ali que provamos a coisa mais estranha da viagem. Estávamos nos servindo de salada, quando topei com um prato quase intocado. Perguntei a uma atendente, que respondeu em um dialeto incompreensível. E agora? Um suíço de cabelos brancos que estava atrás de nós matou a charada. Olhar experiente, de quem sabe das coisas, sussurrou “caterpillar”. Olhei mais de perto. Lagartas. Prensadas e grelhadinhas, como camarões. Perguntei pro Filipe se ia encarar. Respondeu que na Tailândia havia provado escorpião e gafanhoto, quinze dias antes. “Vamos nessa!”

Salada de lagartas!

Experimentei uma. Parecia uma passa salgada, nada muito especial. Para tirar a dúvida, peguei uma porção e misturei com o tabule. Certamente foi a coisa mais esquisita que comi em solo africano. Como faço com camarões, retirei as cabecinhas com cuidado e coloquei de lado, mas vi que alguns comiam tudo. Até provei uma inteira, e não senti diferença.

Culturalmente não estamos acostumados a comer insetos. O sujeito aqui passa fome, mas não come essa fantástica fonte de proteínas, barata e abundante. No Brasil, creio que só a tanajura frita, do Vale do Paraíba, se tornou venerável. Monteiro Lobato adorava a iguaria, chamava-a de caviar brasileiro. Os indígenas da Amazônia gostam muito de certa larva de coqueiro, branca e gorda. Todo mundo já mordeu um bicho de goiaba, mas não admite. Alguns engolem mosca, de vez em quando…

Enfim, insetos serão a comida do futuro. Antes que finde o século XXI estarão no cardápio cotidiano. Que outra forma existe de alimentar 10 bilhões de humanos, número estimado para 2070?  Vegetais não darão conta, a terra agricultável vai se esgotar, o mar já está entrando em colapso. Prepare seu paladar pras coisas que vão pintar!

Jantar de despedida

Em Joanesburgo, na última noite, fomos a um restaurante “para turistas”, numa espécie de cassino-shopping center 24 horas só de alimentação, perto do aeroporto. Eu e a Carmen provamos a melhor carne de avestruz de nossa vida, um filé alto e suculento.  Aqui no Brasil só vemos o bicho congelado, cortado em bifes finos. Esqueça. Filipe pediu um combinado de 4 carnes de caça. Rapaz de coragem! O garçom, fanático por futebol brasileiro, contou orgulhoso que havia assistido na véspera um jogo do Kris-chi-ama. Hã? Demorou um pouco para identificarmos o Criciúma. Efeito do vinho e do mergulho na Devil’s Pool naquela manhã, certamente.

De volta ao Brasil, voltei a cortar carnes vermelhas de meu cardápio. Provar é uma coisa, consumir todo dia é outra…

Uma taioba de domingo

Com a chegada do verão, meu pé de taioba ocupa o jardim.   Chuva e calor é tudo que ele gosta, e as folhas enormes começam a sombrear as plantas em torno. É hora de ir pra panela!

Taioba 1

Neste domingo passei a faca em cinco folhas, o que rendeu para quatro pessoas e sobrou. Principalmente, clareou aquele cantinho do muro. Quem não conhece taioba confunde com couve, pois é refogada do mesmo jeito.  Mais macia, vai bem com farofa, com cebola, com alho frito, com bacon (pra quem gosta), tudo aquilo que acompanha uma couve refogada. Combina também com omeletes, tortas, etc. A textura fica entre couve e espinafre, é só não cozinhar demais.

Taioba é da família das aráceas, e tem algumas primas meio venenosas. Não tem como confundir, é bem comum e difundida em todo o Brasil, e sua raiz parece um inhame (que é outro da família, com folhas muito semelhantes). Muita gente tem no jardim como planta decorativa, e nem sabe que ela é comestível…

Repare bem na folha em forma de coração. O talo fica bem no V, e há uma pequena bainha desenhada que circunda toda a folha. Se o talo estiver no meio do coração, ou se tiver cor roxa, não é taioba. Fuja! O talo da taioba é verde-claro, e até pode ser refogado como chuchu, como já ensinou a Neide Rigo. Já fiz com camarão, é uma delícia!

Taioba 2

O preparo é simples. Depois de lavar bem, retire a nervura central da folha. Enrole e corte fininho, como se fosse couve.

Taioba 3

Refogue do jeito que preferir. Se demorar pra ir para panela ela pode oxidar, escurecendo as nervuras, como uma alface. Se vai demorar, é melhor deixá-la dentro de uma bacia com água. Há quem coloque um pouco de bicarbonato de sódio, pra ficar clarinha (em couve de restaurante também, sacou?). Prefiro natural, escura e gostosa.

Taioba 4

É só um acompanhamento, claro. O almoço foi um fantástico filezinho de porco com molho de figos frescos, preparado pela Carmen. E depois fomos ao cinema, mas isso comento no próximo post!

A vitória do polvo

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Reconheço, um tanto decepcionado comigo mesmo, que tenho publicado pouco aqui no Fósforo. Continuo escrevendo diariamente, pois esse é o meu ganha-pão, mas anda faltando inspiração para criar minhas croniquinhas eventuais. A Revista Música Brasileira, com a qual colaboro, também tem notado essa maré baixa…

E não é falta de assunto, pois os dias tem estado agitados. Eleições ali e ali, guerras iminentes, filmes memoráveis, livros provocantes, massacres lamentáveis, previsões maias inquietantes… Até culinária, assunto que pouco explorei por aqui, tem me rendido algumas alegrias e poucos textos.

Domingo passado fiz o melhor polvo ao forno de minha vida, elogiado pelos comensais. Rendeu tanto que virou cuscuz de polvo no dia seguinte, pelas mãos habilidosas da Carmen. Ouvimos muito a frase “o melhor cuscuz de polvo que já comi na vida”, embora desconfie de que ninguém ali havia provado antes tal iguaria. Eu também não, mas estava ótimo!

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Neste domingo em que escrevo, uma nação alvinegra espanta/encanta o mundo do esporte. Mais pela festa que pelo futebol, mas devo admitir que o técnico Tite tem algo de gênio. Um time com dois ou três craques, um monte de jogadores medianos e outros francamente ruins, chegar onde chegou, só pode ser mérito do treinador. Uma coisa é ser campeão com o Barcelona (modestamente, até eu!), outra com o Corinthians!

Discordo daqueles que dizem que a torcida fez a diferença. Passei a adolescência em São Paulo, convivendo com esta que é a maior e mais fanática torcida do estado, e mesmo assim a falta de campeonatos durou 21 anos. Ué, antes não fazia diferença, e agora faz?

Campeão

Enfim, foi divertido juntar um monte de amigos, convencer a Tita a abrir o Canto Madalena às 8 h de um domingo com café da manhã “de hotel”, torcer e vibrar feito um louco, ver a Vila Madalena fazer um carnaval alvinegro. Não se preocupavam com profecias maias, mas festejavam um guerreiro inca. A avenida Paulista então, teve até trio elétrico! Festa de todos os credos, partidos, raças ou classes sociais, coisa bonita de se ver. Só não é festa de todos os times, paciência.

 Enfim, deixei os temas do meio da semana de lado, e termino como iniciei: festejando o polvo e o povo. (Como você vê, a inspiração para trocadilhos também anda bem fraquinha…).

Penne à Brandenburgo

 

Já pensou em criar um prato? Uma receita? Parece coisa de aficionados por gastronomia, mas muitas vezes acontece em nossa vida de faminto. O famoso soborô, prato de duvidosa origem oriental, nada mais é do que o famoso ato de chegar em casa com fome, abrir a geladeira, e ver o que sobrou (soborô, em tradução escrava da pronúncia) da feira da semana passada.

Nesta sexta-feira eu até estava tranquilo. Tinha almoçado bem, num evento no Hotel Transamérica, onde provei o melhor pudim de leite de São Paulo (sei que tá rolando um concurso do Estadão sobre isso, fica aqui a dica. Uma amiga minha levitou por uns cinco minutos depois de provar uma colherada…). Enfim, cheguei em casa sem fome.

A Carmen chegou da USP em outro estado, depois da chuva e do anoitecer. Jogou-se no sofá e disse que só tinha comido um sanduíche o dia todo e ia pedir uma pizza. Abro um parêntesis para dizer – contra tudo e contra todos – que acho pizza e jantar coisas diferentes. Pizza é uma categoria à parte, algo entre petisco e aperitivo, próprio para acompanhar cerveja. Não é e nunca será um jantar. Fecha parêntesis.

Gentil, me dispus a preparar algo. Achei que ela iria insistir na pizza mas me lasquei, topou na hora. Abri a geladeira e conferi o saldo da semana. Um alho-porró, dois tomates italianos quase vencidos, duas cenouras, três beterrabas, alfaces amarrotadas, três alcachofras, meia caixinha de tomatinhos-cereja. Nada muito animador. Alcachofra é legal, mas não para matar fome.

Parti para o óbvio, uma massinha rápida. Felizmente em casa sempre tem uma caixa (ou pacote) de macarrão. “Um penne de trigo integral aberto, pela metade, é com esse que eu vou!” Um pouco de azeite na panela, uma colher de alho picado. Refoguei o alho-porró e os tomates fatiados, com um pouquinho de sal, enquanto fervia a água para o macarrão. Num impulso, joguei os tomates-cereja inteiros na frigideira, pra ver o que rolava.

Felizmente minha hortinha no quintal tem manjericão fresco o ano todo. Cortei um belo galhinho e separei as folhas. Ia colocar também orégano, que está verdejante, mas achei melhor não provocar uma briga de aromas. Ou é um ou é outro!

Em trinta minutos (quinze só para esperar a água do macarrão ferver), estava pronto. Antes de retirar o molho da panela, joguei umas azeitonas pretas fatiadas no molho para esquentar por um minuto. Penne ao alho-porró com tomatinhos cozidos, que ficaram quase desmanchados por dentro, mas inteiros. Uma sensação diferente, cada mordida é uma mistura do sal externo com o adocicado natural do interior.

Fiz tudo isso ouvindo Bach, no rádio. Após os elogios da patroa, batizei o prato: Penne à Brandenburgo. Repetirei, mas na próxima vez vou colocar umas mozarelas de búfala para dar um charme. Duro vai ser inventar outro nome…

O preço do abacaxi

Esta semana fui comer uma pizza com o Marcio, amigo da Carmen que nos hospedou na Itália. O cara é super viajado, conhece os cinco continentes, ganha muito bem. Mas ficou impressionado com os preços em São Paulo….

Contou que foi ao supermercado e constatou que, tirando a carne, tudo é mais caro que em Milão. Até, pasmem, um simples abacaxi!

Por via das dúvidas, estou cultivando o meu. Em vaso, mas vai que dá… Isso ainda vai valer muito!

A cebola de Neruda

Hoje, ao preparar o almoço de domingo, picando cebolas, me aflorou à memória um verso de tempos idos. “Redonda rosa de água, com escamas de cristal”.

Caramba, quando ouvi isso pela primeira vez? Talvez nunca tenha ouvido, apenas lido. E as cebolas não me trouxeram lágrimas aos olhos, mas nuvens marejadas de lembranças. Um verão na praia, no século passado? Nada menos proustiano que uma cebola, mas a “redonda rosa” me fez passar o resto do domingo pensando no poema original. E agora, fim de noite, quando as máquinas e os homens silenciam, conferi. O verso é outro, ou melhor, misturei dois versos. Não importa. A essência está aqui, nas palavras de Don Pablo:

ODE À CEBOLA – Pablo Neruda

Cebola
Luminosa redoma
pétala a pétala
cresceu a tua formosura
escamas de cristal te acrescentaram
e no segredo da terra escura
se foi arredondando o teu ventre de orvalho.
Sob a terra
foi o milagre
e quando apareceu
o teu rude caule verde
e nasceram as tuas folhas como espadas na horta,
a terra acumulou o seu poderio
mostrando a tua nua transparência,
e como em Afrodite o mar remoto
duplicou a magnólia

levantando os seus seios,
a terra
assim te fez
cebola
clara como um planeta
a reluzir,
constelação constante,
redonda rosa de água,
sobre
a mesa
das gentes pobres.

Generosa
desfazes
o teu globo de frescura
na consumação
fervente da frigideira
e os estilhaços de cristal
no calor inflamado do azeite
transformam-se em frisadas plumas de ouro.

Também recordarei como fecunda
a tua influência, o amor, na salada
e parece que o céu contribui
dando-te fina forma de granizo
a celebrar a tua claridade picada
sobre os hemisférios de um tomate.
mas ao alcance
das mãos do povo
regada com azeite.

Piauí em Sampa

Ontem tive o prazer de visitar a feira Piauí Sampa 2011, no shopping Eldorado. Apesar de minha aversão a estes “currais iluminados” de consumo, desta vez valeu a pena. Primeiro, porque a exposição está linda, com belo e variado artesanato, comidinhas, compotas, mel, a cerâmica maravilhosa da Serra da Capivara e de Poty, as jóias de  Pedro II, os discos levados pelo batalhador Dalmir Gomes, fundador da Cooperativa dos Profissionais da Música do Piauí. O SEBRAE e as outras entidades envolvidas no projeto marcam um belo tento com esta mostra sobre a cultura de um estado que é tão pouco conhecido aqui no Sul do país.

      Porém o motivo maior de minha visita foi reencontrar pessoas queridas, como a escritora e editora Dalila Teles Veras. O pretexto era o lançamento do livro de receitas piauienses Alquimia do Sabor, de Senhorinha Veras. Organizado por Luzia Teles Veras, a Maninha da Alpharrabio, o livro traz receitas numa linguagem simples e saborosa. Fui direto à receita de capote, que está num encarte especial, onde se ensina até como criar capotinhos! As ilustrações de Constança Lucas valorizam ainda mais o volume, que vai ganhar lugar de destaque na prateleira de minha cozinha. Quemsabe um dia eu faço um capote como o que comi em Picos!

     Capote , aliás, que me foi apresentado por Mercês, do Sebrae, a quem tive o prazer de reencontrar na Piauí Sampa. Trocamos um abraço e relembramos histórias de gravações na caatinga, com os apicultores e os beneficiadores de castanha de caju. A Graça, também do Sebrae, fez questão de me dar um “agrado”, gesto típico de piauiense: uma cestinha de palha com amostras de mel do sertão. Coisa pra guardar na lembrança por muito tempo. Pra completar, a amiga virtual Penélope se materializou e conversamos um tempão.

      A expo fica até domingo, dia 14/08. Recomendo, pra quem gosta de cultura brasileira e de ver, provar e ouvir coisas bonitas!


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