Conhecer o Museu do Apartheid, em Joanesburgo, é uma rica experiência. Não apenas para entender as razões e a infâmia que foi o período, mas também se surpreender com o heroísmo e a capacidade de luta do ser humano, sob as condições mais adversas.
A concepção do espaço museológico, criado em 2001, é muito interessante. Detalhes arquitetônicos belos e funcionais, recursos audiovisuais avançados e boa organização de informações. Aprendemos ali que o apartheid foi uma política de Estado, levada por vários governos do Partido Nacional da África do Sul, de 1948 a 1994. Ou seja, uma minoria branca impunha leis discriminatórias, que incluía restrições ao voto da população negra. Ou seja: a minoria branca racista votava e ganhava sempre, e ainda se dizia “dentro da lei”…
Na bilheteria do museu, ao comprar o ingresso, recebi um bilhete (emitido de forma aleatória) me classificando como não-branco. Carmen e Filipe foram sorteados como brancos.
A partir daí, tivemos de entrar por portas separadas. Tentei argumentar que estava junto com eles, mas o guarda, inflexível, me apontou para a entrada de “não-brancos”. Mais didático, impossível! Grupos escolares que visitam o museu passam pelo mesmo procedimento, o que deve gerar boas discussões em sala de aula.
Após alguns metros, depois de passar por um corredor em que os dois grupos são separados por telas metálicas, como uma prisão, estamos juntos novamente. Painéis com fotos, ilustrações, cartazes e até filmes de época mostram o cotidiano das pessoas nos anos do apartheid. E entendia-se por “não-branco” também os orientais, os indianos… Durante os anos de apartheid, 131 militantes de oposição foram enforcados. Número oficial, claro. Muitos foram torturados até a morte. Outros “desapareceram”, como por aqui. Entre eles, alguns brancos que também se opunham ao odioso regime.
Nelson Mandela, o jovem advogado negro que ficou preso por 27 anos, emerge como o grande arquiteto da democratização do país. Acusado pelos radicais de ser tolerante com os brancos, ele sempre defendeu um governo de coalizão. Afinal, os brancos estavam lá há mais de 300 anos, e também construíram o país. O CNA, Congresso Nacional Africano, partido que conquistou o poder em 1994 e enterrou o apartheid, era misto desde sua origem. As mulheres tiveram um papel importantíssimo, organizando ações comuns multirraciais pelos seus direitos.
Criou-se uma Comissão da Verdade, não com a função de punir, mas de investigar e apurar os fatos ocorridos durante o apartheid. Obviamente, crimes não prescritos foram encaminhados para a Justiça comum, como ocorre (ou deveria ocorrer) em qualquer democracia.
O Museu é uma lição de como um país deve lidar com seu passado. Coisa que o Brasil custa a entender, em relação ao período de ditadura militar. Aqui os fatos são escondidos, os torturadores continuam soltos, a PM continua existindo, os juízes se calam, os governantes se omitem. Enquanto vizinhos como Argentina, Chile e Uruguai colocaram na prisão ditadores e agentes criminosos, aqui a impunidade é regra. Vergonha.
Hoje a África do Sul é governada pela maioria negra. Das 17 províncias, 16 têm negros no comando. Cape Town, a cidade mais rica, tem uma prefeita negra. Políticas inclusivas foram criadas, e envolvem desde áreas públicas, como educação, moradia e saúde, até iniciativas privadas. Brancos não podem abrir negócios sem ter um sócio negro. Há distorções? Claro. Mas os avanços são enormes. Não é à toa que fazem parte dos BRICS, as potências emergentes.
A África do Sul é uma nação de poliglotas. Em todas as escolas são ensinados o inglês e o africâner. Considerando que cada criança negra entra na escola sabendo sua língua nativa (zulu, xhosa, etc.), terminam o segundo grau fluentes em pelo menos três idiomas. É comum, nas fronteiras, entenderem também a língua dos povos vizinhos. Em Botswana, Zâmbia e Zimbábue boa parte dos produtos industrializados é fabricada na África do Sul, potência regional. Maior exportador de diamantes, rico em ouro, com um turismo cada vez mais organizado e produzindo ótimos vinhos.
Em certos sentidos, eu conheci um país mais avançado.
(As imagens são do próprio site do Museu, com exceção do ticket, que guardei como recordação.)