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Chico e Caetano, um pacto

Música e Literatura muitas vezes caminham juntas, permitindo comparações, contrastes, analogias e cruzamentos simbólicos. Alguns de nossos maiores compositores, como Chico e Caetano, são também prolíficos escritores, pensadores cada qual à sua maneira. Caetano, autor do meticuloso e autobiográfico Verdade Tropical, mantém um constante trabalho de observação da música e da cultura brasileira através de artigos publicados em diversos veículos. Experimentou o cinema também, com o curioso O Cinema Falado. Chico, além de compositor de obras primas incontestáveis, é romancista, escreveu para teatro, mas no cinema só trabalhou como ator, de forma discreta.

Os dois são amigos desde os anos 60, quando se conheceram nos festivais da Record. Fizeram shows juntos, gravaram discos, tiveram programa de TV em dupla, mas curiosamente muita gente pratica um certo Fla x Flu entre eles. Turma do Chico, supostamente mais engajada, mais politizada, turma do Caetano supostamente mais libertária, mais, digamos, odara.

Bem, isso talvez tenha feito sentido em algum momento do século passado, visto de uma maneira rasa, linear. Mas a realidade não é isso, nunca foi. Qualquer mente mais arejada consegue enxergar a grandeza e a beleza da obra destes dois gênios. Não cresceram de forma isolada, pois pertencem à extraordinária geração que também nos deu Milton, Gil, Paulinho, Tom Zé, Melodia e outros criadores originais, mas estes nunca foram colocados em confronto, como tentaram fazer com Chico e Caetano.

 Ambos compuseram fados inesquecíveis, e aproveito essa deixa sonora para atravessar o Atlântico. Em Portugal há dois luminares da literatura contemporânea, um já falecido e outro com a idade de Caetano: Saramago e Lobo Antunes. Escritores de grande talento, originais na forma e críticos do status quo, mas se detestavam. Depois que Saramago ganhou o Nobel, piorou. Lobo Antunes, rancoroso, vendo desaparecer no horizonte a sua chance – imagine dois escritores portugueses ganhando o Nobel! – passou a desprezar o prêmio, falando mal em toda a oportunidade. E obviamente há uma torcida pró-Saramago e outro pró-Antunes em Portugal.

Chico Buarque ganhou o Prêmio Camões de Literatura. Caetano aplaudiu. Uma lição que os dois artistas brasileiros deixam, nas entrelinhas. No campo da arte, a competição mais depõe do que enobrece.  Vejam estas palavras de Caetano, em artigo recente, sobre o ilustre filho de Sérgio Buarque de Holanda:  

“O Brasil é capaz de produzir um Chico Buarque: todas as nossas fantasias de autodesqualificação se anulam. Seu talento, seu rigor, sua elegância, sua discrição são tesouro nosso.

Amo-o como amo a cor das águas de Fernando de Noronha, o canto do sotaque gaúcho, os cabelos crespos, a língua portuguesa, as movimentações do mundo em busca de saúde social.

(…)

Suas canções impõem exigências prosódicas que comandam mesmo o valor dos erros criativos.

(…)

O samba nos cinejornais de futebol do Canal 100, Antônio Brasileiro, o Bruxo de Juazeiro, Vinicius, Clarice, Oscar, Rosa, Pelé, Tostão, Cabral, tudo o que representou reviravolta para nossa geração foi captado por Chico e transformado em coloquialismo sem esforço. Vimos melhor e com mais calma o quanto já tínhamos Noel, Haroldo Barbosa, Caymmi, Wilson Batista, Ary, Sinhô, Herivelto.

A Revolução Cubana, as pontes de Paris, o cosmopolitismo de Berlim, o requinte e a brutalidade de diversas zonas do continente africano, as consequências de Mao.

Chico está em tudo.

Tudo está na dicção límpida de Chico. Quando o mundo se apaixonar totalmente pelo que ele faz, terá finalmente visto o Brasil.

Sem o amor que eu e alguns alardeamos à nossa raiz lusitana, ele faz muito mais por ela (e pelo que a ela se agrega) do que todos nós juntos.”

Caetano, que os inimigos acusam de ególatra e vaidoso, é pura paixão pela obra de Chico. Este, mais contido, não escreve artigos derramados, porém não deixa de homenagear o companheiro de ofício. Ou você não percebeu que sua mais recente composição, Que Tal um Samba, cita explicitamente versos do “rival”?

Um filho com a pele escura/ com formosura/ Bem brasileiro, que tal?/ Não com dinheiro, mas a cultura.” (Chico Buarque, 2022)

Lembra de algo? “Não me amarra dinheiro não/ mas formosura/ Dinheiro não/ a pele escura/ Dinheiro não.” (Caetano Veloso, 1979)

Desculpem, portugueses, mas nossos dois gênios dão uma aula de civilidade, respeito e amor nos de vocês!

O artista e suas obsessões

Na Literatura, como em outras artes, há dois tipos bem definíveis de artista: o que experimenta de maneira insaciável formas diferentes, explorando ângulos, texturas, materiais, técnicas, linguagens, caminhos e bifurcações, e os que mergulham de forma obsessiva num objeto de estudo (de desejo?), traçando uma rota de aprofundamento progressivo, numa tentativa heroica e vã de chegar ao âmago, ao deslindamento final e definitivo, ao cristal límpido e absoluto.

Há outras motivações, sabemos, mas fiquemos com estes dois opostos, por enquanto. E antes que optemos pelo generalista ou pelo especialista (categorias que não funcionam muito bem quando se trata de arte), é importante fazer uma ressalva: esse tipo de classificação não implica num juízo de valor.

De fato, há experimentadores ruins e obsessivos maravilhosos, e vice versa. A radicalidade sintética do haicai, por exemplo, é uma das mais traiçoeiras armadilhas para os poetas iniciantes. Bashô é genial, mas tem uma legião universal de seguidores medíocres, com poucas exceções.

Como não admirar o mergulho suprematista de um Malevitch, que lhe custou caro na Rússia stalinista, e ao mesmo tempo não se espantar com seu retorno ao figurativismo? E aqui surge mais um dado complicante: há artistas que são “especialistas” em certa fase da vida e “generalistas” em outra. Mestres absolutos em dado momento, e auto diluidores em outro. Os que tem vida longa são mais visados por esse tipo de crítica, é óbvio, uma vez que o conjunto de obras tende a ser desigual quanto mais vasto for.

Alguém supõe que Mozart pudesse manter a excelência se vivesse mais quarenta anos? Ou Rimbaud? Será mais fácil ser gênio morrendo jovem? Novamente, não podemos estabelecer uma regra. Há artistas geniais e longevos, que criaram obras-primas provocativas na chamada terceira idade, como Verdi, que estreou sua ópera Falstaff (baseada na peça As Alegres Comadres de Windsor, de Shakespeare) aos 80 anos, ou Oscar Niemeyer, que inaugurou o Museu de Arte Contemporânea de Niterói com 89 anos (e continuou criando até os 105). Outros explodiram cedo, como fogos de artifício, passando o resto da vida tentando reacender as cinzas de sua obra gloriosa. Ou procurando outros caminhos, movidos por uma inquietação que, dependendo do caso, pode ser confundida com falta de objetividade, oportunismo, pura sobrevivência ou até relaxamento estético. E há o inevitável apelo do mercado editorial, que joga seus dados em obra de fácil digestão, consumidas rapidamente e trocadas por outras. Muito citado no Brasil é o caso de Jorge Amado, radical em suas primeiras obras, que à medida em que se torna um grande vendedor de livros, cede à tentação do erotismo temperado com dendê, como apontam vários críticos*.

A literatura brasileira é terreno onde medra toda espécie de escritor. De contistas geniais e sintéticos, como Dalton Trevisan, até caudalosos autores de obra pouco lembrada, como Otávio de Faria, cuja Tragédia Burguesa, prevista para vinte volumes, teve treze publicados em vida e mais dois póstumos. No entanto, estes dois exemplos são obsessivos, cada qual a seu modo. Enquanto um esmiúça a relação de amor, ciúme e ódio entre joões e marias, outro busca dissecar a sociedade carioca sob o ponto de vista de classe, sem desviar o foco do cenário.

A literatura brasileira contemporânea, assim como a música ou as artes plásticas, é multifacetada e permeável a muitas influências, típicas de uma era midiática e globalizante. Apesar disso, ainda é possível observar obsessões estéticas criativas (ou paralisantes, dependendo do caso).  A legião de epígonos de Rubem Fonseca, por exemplo, buscando emular o clima dos primeiros contos do mestre. A empreitada ambiciosa de Alberto Mussa, construindo uma história do Rio de Janeiro por cinco séculos, em tramas policiais. A lupa de Chico Lopes sobre a vida interiorana das pequenas cidades em modificação/estagnação num Brasil que é sempre um conjunto de frustrações. Escritoras feministas que rompem amarras e, paradoxalmente, se enredam em novos cercados. O esforço do escritor Chico Buarque em alcançar a excelência do compositor Chico Buarque. Os cronistas da periferia que martelam temas essenciais, porque é impossível não falar sobre violência, preconceito, fome ou miséria, assuntos que atravessam séculos sem perder a urgência. Cada qual a seu modo sustenta suas obsessões da forma possível, com as ferramentas que têm ao seu alcance.

Arte permite várias visões, interpretações, audições e leituras, e essa natureza multiforme encerra toda a graça e mistério da coisa. Espelho distorcido do mundo em que vivemos, pode ampliar ou reduzir qualidades e defeitos, mas nunca deixa de ser um termômetro das ansiedades da época em que foi produzida. Feita por casmurros obcecados ou panteístas delirantes, sempre pode nos fornecer algumas chaves para compreensão do mundo, do céu ou do inferno em que vivemos.

*vale conferir Motta, Carlos Guilherme, in Ideologia da Cultura Brasileira (1933-1974).

(Publicado em aterraeredonda.com.br)

Essa gente que escreve…

Essa Gente

Chico Buarque, já consagrado como escritor, parece fazer de sua obra um enorme palimpsesto. Reescreve as memórias de um homem maduro, em crise, que perambula pela cidade do Rio de Janeiro tentando resolver suas frustrações. Se isto te lembra Estorvo, de 1991, o agônico Benjamin (1995) ou Leite Derramado (2009), não é por acaso. O homem que vive da escrita em Budapeste (2003) volta a aparecer aqui, com outro disfarce.

Parecem, mas não se parecem, como as canções de amor. Falam das mesmas coisas, do desejo, da ausência, da traição, da inconstância, do desprezo, mas com, digamos, melodias e letras diferentes.

Essa Gente (2019) é o mais contemporâneo romance de Chico Buarque. Escrito em forma de diário, como se fossem anotações de um romancista falido, Manuel Duarte, mistura recordações de dois casamentos acabados, um filho adolescente com quem não consegue se comunicar, um bloqueio criativo que o impede de escrever e o pires na mão nas conversas com o editor.

Duarte (não Buarque!) fez sucesso com seu primeiro livro, O Eunuco do Paço Real, fato que não se repetiu nos livros seguintes. Isso o torna uma espécie de simulacro de si mesmo, tentando viver um personagem bem sucedido que não existe mais. As mulheres o abandonaram, a grana acabou, os amigos sumiram. Como se fossem fantasmas grotescos, eunucos surgem na narrativa, numa sub-trama onde um pastor perverso e um maestro sádico castram meninos nas favelas para manterem a voz angelical.

Lançado em novembro de 2019, insere lampejos da cruel realidade que vive o país: um mendigo é espancado na porta do Country Club por um cidadão de bem, um menino sofre bullying na escola por ter pais “de esquerda”, um cachorro faminto estraçalha um jornal cuja manchete estampa o fuzilamento de uma família negra por 80 tiros.

Tecnicamente, a escrita tensa e contraída dos primeiros romances torna-se mais fluida, urgente. O pretexto de ser um bloco de anotações permite ao autor Buarque (não Duarte!) apresentar sua obra mais límpida. Nem por isso facilita as coisas, com um final enigmático e metafórico. As vozes narrativas se alternam, com as ex-mulheres (ou será Duarte imaginando suas falas?), notícias de jornal e até um narrador onisciente, em terceira pessoa.

Essa Gente mantém Chico Buarque no time de escritores brasileiros que produzem com constância e qualidade nos últimos anos. Não chega a empolgar, mas isso parece ser um efeito procurado pelo autor em toda a sua obra. Quer mais reflexão, não emoção. É a consolidação de um estilo que pouco tem a ver com o compositor Chico Buarque, com quem costuma ser confundido.

Prosódia e música popular

 

     Prosódia

         Meu irmão, que é ótimo violonista, arranjador e professor de música, é desses sujeitos que não se preocupam apenas com as notas no pentagrama. Atento aos tropeços de prosódia, me chamou a atenção para a quantidade de canções contemporâneas cujas letras entortam o vernáculo sem o menor pudor. São as chamadas silabadas. Virou moda?

            Não acompanho com tanta assiduidade a música de consumo rápido, midiática, feita pra tocar no rádio. Deixo de lado, portanto, os sertanejos, pagodes e funks, e ensaio algumas observações sobre a produção mais independente e alternativa da música popular, que busca mais apuro, profundidade e originalidade em suas letras.

            De que vamos falar, afinal? Prosódia é a parte da gramática que se ocupa da sonoridade das palavras, mais especificamente em relação à sílaba tônica. Caminha junto com o ritmo, envolve a entonação e o sotaque, e dominá-la é fundamental para qualquer letrista.

            Ocorre que em muitos casos a prosódia regida pela norma culta é intencionalmente subvertida, e isso não vem de hoje. Algumas vezes comparece como licença poética, outras vem revestida de intenção satírica, mas na grande maioria dos casos é adaptação fonética à melodia. Em alguns casos soa como uma invenção, outras como desleixo.

            Pegando um exemplo antigo, é evidente que Alvarenga e Ranchinho querem fazer graça quando cantam Romance de Duas Caveiras, de 1940:

            “Ao longe, uma coruja piava alegre/ ao ver os dois caveiros assim feliz/ e quando se beijavam, em tom funebre/ a coruja batia as asas pedindo bis”.

Existem variações da letra; enquanto alguns intérpretes tentaram melhorar a concordância, outros a pioraram. Mas a transformação de fúnebre em paroxítona faz com que rime com a palavra alegre, e a distorção é tão evidente que todos acabam caindo na risada.

            Este é um exemplo clássico de intencionalidade. Volta e meia nosso ouvido tropeça em alguma letra de Vinicius, Chico ou Caetano onde há uma rearranjada da prosódia, com finalidade estética. São licenças poéticas, desvios consentidos ou meros barbarismos?

Uma canção como O Velho Francisco, de Chico Buarque, está cheia de contravenções fonéticas. Não deixa de ser linda, talvez exatamente por isso. Experimente cantá-la colocando a silaba tônica corretamente nas palavras, e verá que é impossível. Os deslocamentos tônicos (a chamada divisão) são constantes, obrigando os intérpretes a serem muito atentos.

          “Já gozei de boa vida/ tinha até meu bangalô/ cobertor, comida, roupa lavada/ vida veio e me levou”.

            A palavra comida soa como proparoxítona (cômida), e roupa lavada vira algo como “rou palá vada”. A imbricação de letra e melodia é perfeita, e a obra de Chico não nos deixa dúvida de que ele está brincando com a sonoridade das palavras. Brincadeira muito séria, por sinal.

            Em parceria com Djavan, um dos nossos mais contumazes dribladores da prosódia, Chico pega o espírito do parceiro e tasca lá uma silabada: “Era tanta saudade/ É, pra matar/ Eu fiquei até doente/ Eu fiquei até doente, menina”. Se o verbo ficar fosse entoado de acordo com a norma (fiquei, com tônica no e), sairia do compasso. Transformado em algo como fíquei (soando como Mickey) adere perfeitamente à angulosa melodia. Pra completar, o a de até também ganha um reforço tônico.

            Desde as antigas parcerias com Vinicius (observe com atenção a letra de Valsinha, por exemplo), Chico aprimora sua ginga com as palavras, revelando acentos inesperados e dando um nó na cabeça dos acadêmicos. Esta lição dos mestres é aplicadamente seguida por várias gerações de compositores, uns mais originais, outros menos. Cuidado: algumas vezes pode soar como escorregão ou forçada de barra.

            Talvez o modo mais preciso de identificar a real intenção do autor seja prestar atenção ao conjunto da obra. Se é difícil identificar esta veia criativa nas letras de compositores breganejos, p. ex., por outro lado existe um embate constante entre letra e ritmo nas letras de rap. A métrica às vezes é atropelada, mas de certa forma está se construindo uma nova linguagem.

            Não é à toa que Chico já declarou que “gosto de ouvir o rap da rapaziada”.  Rap da rap(aziada), aliás, é uma discreta brincadeira sonora, coisa que Caetano faz muito bem. Na linda canção Trilhos Urbanos, com pequenos achados trocadilhescos (“no trole ou no bonde/ tudo é bom de ver”) brilha a preciosa “Krishna, maravilha/ Vixe Maria Mãe de Deus”, onde ecoam as sonoridades ishna e ishma. E o compositor baiano faz uma silabada com o xixi do Imperador, veja só que desrespeito…

            O assunto rende. Só nos resta aplaudir a invenção, quando o resultado é belo!

(Publicado em http://www.revistamusicabrasileira.com.br)

O Canto magistral de Cida Moreira

Cida Moreira é um caso raro na música brasileira. Pianista, atriz e cantora refinada, demonstrou seu talento em dezenas de palcos, seja em peças, musicais, filmes  ou shows de variados formatos. Entertainer completa, é capaz de magnetizar plateias apenas com voz e piano. E quando escolhe os músicos que tocarão com ela, é de bom gosto à toda prova.

Cuidadosa nas escolhas, já gravou de tudo um pouco, passeando por diversos gêneros com segurança e inteligência. Um de seus discos mais memoráveis trazia canções de filmes brasileiros, outro homenageava Chico Buarque. Soledade, seu CD de 2015, é o corolário de uma carreira feita de pequenas obsessões. Estão de volta Milton e Ronaldo Bastos (Um Gosto de Sol), numa interpretação arrepiante, e temas clássicos do folclore brasileiro (Moreninha e Viola Quebrada, de Mario de Andrade), onde opta pelo acompanhamento de violões, violas e acordeom para sublinhar a sonoridade telúrica destas canções.

Chico Buarque também retorna, e de forma surpreendente. Quem mais teria coragem de regravar Construção, depois daquele arranjo original e espetacular de Rogério Duprat?  A resposta é: Cida Moreira. E a canção virou um tango trágico, com sotaque piazzollesco, em arranjo brilhante de Arthur de Faria para quinteto de cordas. Sublime!

Cida recupera preciosidades como a festivalesca Bom Dia, de Gil e Nana Caymmi, e Outra Cena, de Taiguara, faixa que encerrava o antológico LP Ymira, Tayra, Ipy, de 1976. Mergulha no rock do Joelho de Porco, com A Última Voz do Brasil, de Tico Terpins, Zé Rodrix, Ferrante Jr. e Próspero Albanese, e relembra a inusitada parceria de Macalé com Brecht (Poema da Rosa).

Mas Cida não seria Cida Moreira se ficasse apenas presa ao passado. Há várias canções novas, de músicos-parceiros que tocam no disco. A bela Forasteiro, parceria de Thiago Pethit e Helio Flandres, a provocante Oitava Cor, de Luiz Felipe Gama e do português Tiago Torres da Silva, a feroz O Pulso (Titãs), em arranjo eletroacústico que vira de cabeça pra baixo a gravação original, inserindo uma citação de Queda, de André Frateschi. O amigo Nico Nicolaiewski, morto em 2014, é lembrado com a existencial Feito Um Picolé no Sol.

Completam o CD um poema de Alice Ruiz, e duas vinhetas musicais, uma de Arthur Nogueira e Dand M (Preciso Cantar) e outra de Noel Rosa e João de Barro (Pastorinhas), que encerra o disco. Uma viagem magistral por um país onde, segundo a própria cantora, coisas belas estão desaparecendo, enquanto outras vão surgindo. Uma escolha muito pessoal, mas que Cida Moreira interpreta com tal força que acaba dividindo com todos os ouvintes a sua emoção. Um disco definitivo de uma magnífica cantora, com arranjos primorosos e músicos excepcionais. Ouça aqui:


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