Arquivo para maio \30\-02:00 2014

Fotógrafo de rua (1)

            Acompanhando o trabalho de amigos fotógrafos (profissionais), me senti compelido a rever algumas imagens colhidas ao acaso nos últimos anos. Nunca saí às ruas com o objetivo de captar imagens específicas, com algum objetivo definido. Sempre fui um amador no sentido mais comum da palavra, ou seja, nunca vendi uma única foto.

Espiando uma página dedicada a fotógrafos de rua, profissionais ou amadores, percebo diferentes graus de interação entre o sujeito e o objeto, o autor e o fotografado, o observador e a paisagem. O que torna um olhar diferenciado, afinal?

Acadêmicos, teóricos, semióticos e críticos de artes visuais já exploraram muito esta questão. É claro que o quesito “originalidade” é cada vez mais abstrato, num mundo digital saturado de imagens multiplicadas ao infinito. Mais concretos são fatores como enquadramento, foco, tratamento tonal, ângulo ou composição.

Mas há algo que diferencia o olhar que inventa do olhar que apenas registra. Há alguns dias o moderador da página propôs o tema “tela urbana”. Tema aberto, propício a muitas leituras. Boa parte das imagens enviadas mostravam a superfície urbana como tela. Ou seja, grafites, cartazes, fachadas e pichações. Algumas curiosas, outras banais, algumas impactantes.

Mas o que é a fotografia de um grafite? Se não houver invenção (ou talento, sensibilidade, feeling, chame como quiser), soa como mero registro, ainda que eventualmente belo. Os exemplos abaixo estão nesse patamar.

VeronaVerona, Itália.

São Paulo, SP.

MontevidéuMontevidéu, Uruguai.

             Não se preocupe, não estou expondo o trabalho de terceiros à crítica desalmada. São fotos que fiz em viagens, às vezes de férias, às vezes a trabalho (não relacionado à fotografia, como expliquei). Registros que fazem parte de minha memória afetiva, mas que não se elevam à categoria de arte justamente por faltar a tal invenção.

            Um fotógrafo de verdade vê a parede pintada, prevê situações e calcula como pode maximizar o efeito gráfico inserindo outro elemento. É aí que entra o ser humano como contraponto irônico ou dramático. A foto deixa de ser registro, ganha autonomia estética. Ganha vida, podemos dizer.

Grafitti 3(autor: Miguel Côrte-Real Marias)

Grafitti 1(autor: Jose L .Vilar Jordán)

Grafitti 2(autor: Helvio Romero).

             Claro que isso não é uma fórmula. Há fotos lindas de grafites em contraponto com árvores, animais, nuvens brancas, céu carregado, reflexos na água, assim como há fotos óbvias de pessoas passando por grafites ou desenhando em paredes. Mas sem dúvida é um passo adiante quando captamos a paisagem como algo vivo, quando um cenário conta uma história, quando superamos o mero registro documental. A grande tela urbana que nos cerca oferece diariamente cenas memoráveis, ternas, terríveis, engraçadas, grotescas… É só clicar. (Mas não é só clicar!)

ElisRegina2010 010                                                                                                                                                                                                                       Praça Elis Regina, São Paulo.

O bar dos sonhos

Cerveja

Num fim de tarde recente, saindo de uma reunião de trabalho na Vila Madalena, me vi preso pelo rodízio. Quem mora fora de São Paulo não sabe do que se trata, mas é um estratagema oficial para tirar 20% dos carros de circulação. Na segunda feira, placas com final 1 e 2 não podem circular nos horários de pico, entre 17 e 20 h. Na terça, 3 e 4, e assim por diante.

Já morei na Vila Madalena. Ali na rua Agissê, no quarteirão da Mercearia. Também passei um ano sabático na rua Girassol, no final de um casamento. Depois me mudei para a rive gauche do Rio Pinheiros, fugindo da bagunça e do trânsito. Mesmo assim, às vezes, sou obrigado a cruzar o bairro.

Resolvi dar uma volta pelas velhas ruas conhecidas. Muitos prédios onde antes havia casas, boutiques onde havia lojinhas, restaurantes onde havia botecos. A força da grana que ergue e destrói coisas belas. Mas uma porta diferente me chamou a atenção. Parecia um bar, mas discreto, quase uma passagem no meio de um muro coberto de heras. A plaqueta “aberto” pendurada na maçaneta me convidou a entrar.

Uma sala com cerca de dez mesas simples, arrumadas com bom gosto. O barulho da rua era imperceptível após fechar a porta. Mesmo um pedaço de jardim interno, a céu aberto, era tão forrado de plantas que quase dava pra se ouvir as estrelas. Ao fundo, um balcão onde um barman arrumava copos. Escolhi uma mesa, e mal havia sentado uma garçonete veio me servir, solícita. Pedi uma cerveja, e ela mostrou um cardápio com boas opções, algumas artesanais, com preços decentes.

Olhando em torno, reparei que não havia televisão. Pequenas caixas de som discretamente penduradas nos cantos tocavam um Tom Jobim em volume civilizado, permitindo conversas. Não que houvesse muitas pessoas, só um casal de namorados, que mais sussurrava que falava, no canto oposto do salão. Abri o cardápio e me surpreendi com a boa oferta de petiscos brasileiros de fina extração. De jiló frito à mineira até bolinhos de piracuí do Amazonas.

Outras pessoas chegaram. Estavam alegres, mas conversavam baixo, de forma discreta. Paulinho da Viola na caixa. No pedaço de céu surgiu uma lua-alfanje, que chegou a pratear o chão. O jiló frito estava no ponto, sequinho e crocante, passado na farinha de milho, como eu só havia provado em Ponte Nova. Um choro de Pixinguinha encheu o ambiente. Reparei, surpreso, que havia um pequeno aviso na parede sugerindo que os celulares fossem desligados. Foi quando percebi que havia algo errado em tudo aquilo.

Infelizmente, acordei…

Cenas urbanas

Confesso: ultimamente tenho postado mais coisas no Facebook que aqui no Fósforo. Mais urgência, menos paciência, necessidade de dar respostas rápidas às demandas. Atitude que, a médio prazo, tende a ser perniciosa. Que tal pensar mais, refletir, postar coisas das quais não vamos nos arrepender daqui a cinquenta anos? (estou sendo otimista, claro. Não espero passar dos 100, deve ser meio chato).

Semana passada postei uma série de cinco fotos que chamei de “paisagens urbanas”. Pássaros perdidos no meio do concreto, adaptando-se à poluição. Por algum motivo obscuro, imagino que aqui nesse cantinho vulnerável e perecível chamado “blog”, terão vida mais longa. Será?

Bem-te-vi

Canario na selva

Saracura

Biguás

Gavião-caboclo

Bem-te-vi, canário-da-terra, saracura-do-mato, biguás e gavião-caboclo.

Ano eleitoral

Ano eleitoral. É doloroso ver como a irracionalidade começa a grassar na internet, como se tudo se resumisse a uma final de campeonato futebolístico. Brigadas de “comentaristas” são recrutados para falar mal do governo no Facebook. A velha imprensa (mídia impressa, radiofônica e televisiva), cada vez mais envolvida com os esquemas do poder, se esmera em manchetes capciosas, manipulação de dados e acobertamento dos malfeitos de seus apaniguados. Mala tempora currunt, como dizia o velho Cícero.

O PT? Ora, o PT… Paga pelos erros, pelas alianças incompatíveis, pelo preconceito embutido naqueles que não se conformam em abrir mão do poder. Fez muito, ora se fez! Tirar 30 milhões da miséria é coisa pra ficar na história da humanidade, como reconhecem várias universidades do mundo ao conferir títulos honoríficos a Lula. Fez muito mais que o governo anterior, que tem como mérito maior o Plano Real, graças a Itamar Franco, mas que quebrou o país. Desemprego, recessão, privatizações que beneficiaram muito a alguns poucos.

O PT deixou de fazer a lição de casa: criar um sistema de comunicação mais democrático, mais independente, menos preso ao arcaico modelo vigente. O nosso marco regulatório de comunicações é de 1962… Beira a indecência o engavetamento das decisões tomadas nas conferências nacionais de comunicação. Pra que fizeram se não era pra valer? A propriedade cruzada de meios de comunicação, proibida nos países mais avançados do mundo (até mesmo nos EUA, que não é tão avançado assim), aqui é capitania hereditária, não se mexe. Vergonha.

Reforma política? Deixa pra lá. Reforma agrária? Empurremos com a barriga. Reforma sindical, fim do imposto sindical? Nem pensar. Reforma tributária? Ih, isso dá uma dor de cabeça… Sem falar da questão indígena, da ambiental, da malfadada transposição do São Francisco, do sentimento geral de (in)justiça que envenena o país, a partir do STF.

Enfim, vai ser um ano duro. Os defensores do atraso nem sequer levantam os erros que apontei no parágrafo anterior. Para a oposição, a mesmice continuará valendo. Alguém ouviu Aecinho ou Dudu propondo alguma dessas reformas? Fizeram ou tentaram fazer essas reformas nos estado que governaram?

E os avanços deverão ser brecados, como não? Imagine, 14 novas universidades (FHC não criou nenhuma…). Senzala é senzala, casa grande é casa grande. São duas novas versões de Collor, de triste memória. Playboys de famílias “tradicionais”, que nunca passaram problemas financeiros, herdeiros de sobrenomes carimbados da política brasileira (Tancredo Neves, Miguel Arraes), mas que são ridículos comparados aos seus patriarcas.

Lula da Silva, Roussef, Mujica, Chávez, Humala, Correa, Kirchner, Bachelet… Gosto de ver novos nomes construindo a história da América Latina. Vão errar muito, mas tentando acertar. Os velhos errados querem retomar o comando para perpetuar os velhos erros contra a humanidade. A mesmice… E vamos para o ano eleitoral!

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