Arquivo para abril \30\-02:00 2012

Campeões da corrupção

Taí um assunto escabroso. Para alguns, repetitivo e chato. Para outros, bandeira a ser agitada durante toda a vida.

O problema é que muitos que a ostentam em todos os discursos se revelam meros calhordas oportunistas, como o até ontem impoluto senador Demóstenes. Como manifestar indignação contra os corruptos sem se confundir com esse tipo de gente? Eu, que sou bobo mas não besta, nunca embarquei nessas campanhas do tipo “cansei”, justamente por ler jornal e ver quem estimulava esse tipo de movimento. O parlamentar goiano era um ídolo de boa parte daqueles iludidos…

Mas é fácil xingar os políticos (ué, você não elegeu vários deles? Não tem responsabilidade nenhuma nisso?) e fechar os olhos para os pequenos deslizes cotidianos. Subornar o guarda de trânsito, maquiar o imposto de renda, parar o carro na vaga de deficiente, furar a fila, mentir sobre o próprio currículo, etc.  Todos mentem, até o Papa. Uns mais, outros menos. Fazer discurso moralista é que é a suprema hipocrisia. Combata o errado, mas não se julgue perfeito por causa disso. Você não faz mais que a obrigação…

Uma das confusões mais difundidas por aí é que nunca houve tanta corrupção como agora. Bem, digamos que a corrupção antes era oculta, certo? Durante todo o período da ditadura militar a imprensa era censurada. Alguém acredita que os partidos do Brasil imperial eram menos corruptos? Que as leis no tempo das capitanias eram ditadas por governantes justos e seguidas por um povo ordeiro?  Pois hoje temos mais liberdade de imprensa (viva!), mais repercussão, mais transparência. Onde era escuro, a claridade revela os ratos. Infelizmente,  governantes de vários estados brasileiros preferem manter a escuridão,  impedindo a abertura de CPIs e fazendo pactos excusos com órgãos de imprensa locais (alô, Serra!), muitas vezes de propriedade dos próprios políticos (alô, Sarney!).

Uma pequena pesquisa me levou ao Dossiê do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral. Baseados em dados do TSE, elaboraram uma lista dos políticos cassados por corrupção no Brasil.  Há 632 nomes na lista, que não inclui delitos criminais, apenas eleitorais (compra de votos, propaganda irregular, desvio de verbas de campanha, etc). Veja só que interessante:

Posição – Partido político Sigla Nº. de políticos cassados Percentual
1º – Democratas DEM 69 20,4%
2º – Partido do Movimento Democrático Brasileiro PMDB 66 19,5%
3º – Partido da Social Democracia Brasileira PSDB 58 17,1%
4º – Partido Progressista PP 26 7,7%
5º – Partido Trabalhista Brasileiro PTB 24 7,1%
6º – Partido Democrático Trabalhista PDT 23 6,8%
7º – Partido da República PR 17 5%
8º – Partido Popular Socialista PPS 14 4,1%
9º – Partido dos Trabalhadores PT 10 2,9%
10º – Partido Progressista Brasileiro PPB 8 2,4%
11º – Partido Socialista Brasileiro PSB 7 2,1%
12º – Partido Social Liberal PSL 3 0,9%
12º – Partido Trabalhista Cristão PTC 3 0,9%
13º – Partido da Mobilização Nacional PMN 2 0,6%
13º – Partido Renovador Trabalhista Brasileiro PRTB 2 0,6%
13º – Partido Social Cristão PSC 2 0,6%
14º – Partido Humanista da Solidariedade PHS 1 0,3%
14º – Partido de Reedificação da Ordem Nacional PRONA 1 0,3%
14º – Partido Republicano Progressista PRP 1 0,3%
14º – Partido Social Democrático PSD 1 0,3%
14º – Partido Verde PV 1 0,3%

Os três primeiros partidos somam mais da metade dos cassados por corrupção. Curiosamente, é neles que se instalam alguns dos mais estridentes tribunos do Congresso Nacional. O grande demônio da velha imprensa, o PT, ocupa um modesto nono lugar…

Nesta semana, dois governadores estão sobre suspeita de envolvimento com o esquema Cachoeira. O do DF (PT) ocupa um espaço muito maior nas manchetes dos jornalões que o de Goiás (PSDB), embora as provas contra este sejam cada vez mais consistentes. A manipulação é clara,e  mostra como anda corrompido o tal “quarto poder”. Duro é ver gente – que se acha séria – acreditar na revista Veja, por exemplo… Sinal de afrouxamento mental,  talvez conveniente para defender certas idéias meio primitivas. A velhaca revista está cada vez mais atolada no esquema do contraventor-corruptor, que mandava até colocar notas sobre seus desafetos

Enfim, o tema não é fácil. A corrupção é eterna, inerente ao ser humano. Se intimida com mais justiça, mais verdade, mais transparência, mais deputados comprometidos com as promessas de lisura. Eles existem, sim, quem acompanha as ações parlamentares sabe disso. E cassação, prisão e julgamento de quem corrompe ou é corrompido, com devolução do roubo e pagamento de multa equivalente (alô, Maluf!).

Quando alguém te pergunta o que fazer para melhorar, responda: Que tal começar não elegendo corruptos em 2012?

Não siga a minha religião

Domingo é dia de conquistar novas almas. Pelo menos é isso que devem pensar certos evangélicos, apostólicos, mormons, crentes, testemunhas, missionários, obreiros, vendedores do carnê celestial ou seja lá como se chamam. Não poucas vezes fui acordado numa bela manhã dominical, fui até a porta, ainda sonolento, e dei de cara com simpáticas senhoras ou uma dupla de gringos loiros e altos, de forte sotaque, prontos para me catequizar. É o que dá morar num bairro de classe média de uma metrópole como São Paulo.

Não consigo ser mal educado com as pessoas, embora a vontade de mandar lamber sabão seja grande. O livro preto nas mãos denuncia a intenção. Por que diabos toda Bíblia tem a capa preta? Aliás, juntar diabo e Bíblia na mesma frase deve ser alguma espécie de pecado…

A pergunta inicial nunca é “o senhor gostaria de ser catequizado?”, pois isso tornaria tudo mais direto e franco: um “não” bastaria.

– Bom dia. Como é o teu nome? Como o senhor está passando? O senhor nos conhece?

Qualquer resposta educada é motivo para puxar a conversa. Perco cinco, dez minutos tentando me desvencilhar.

– Ah, Daniel é um nome bíblico! O senhor já leu a Bíblia?

Claro que li algumas partes, não vou mentir. Como já li trechos do Alcorão, da Torá e do Mahabharata. Mas é sempre um cristão que bate à porta, nunca fui incomodado por representantes de outras religiões. Acabo com algum folheto na mão (que vai sempre para a lixeira), deixando eles felizes  por ter mordido a isca oferecida.

Não adianta dizer que não frequento igrejas, pois revelo que sou uma potencial alma a ser salva. Dizer que sou ateu provavelmente terá o mesmo efeito. Nos últimos tempos, comecei a testar outras estratégias.

– Desculpe, sou judeu.

– (ar de desapontamento) Ah… Que coisa a situação em Israel, né?

Aproveito a deixa.

– É um governo de direita, racista e beligerante. Judeus democratas não apoiam aquele governo, querem a paz.

– Ah, então leia esse texto sobre as guerras no mundo e a salvação!

Não deu certo. Talvez na próxima diga que sou muçulmano. Mas como não uso barba nem turbante, provavelmente vão desconfiar da mentira. A cultura desse povinho catequizador costuma ser muito rasa, devem ter uma imagem estereotipada dos islâmicos.

Já sei! Acabo de fundar uma religião cujo primeiro mandamento é “Nunca tente convencer alguém a seguir tua religião”. Pecado feio, mortal. Tem de ser uma escolha pessoal, uma iluminação. Vou mandar essa, e quero ver a cara de quem me acordar cedo, no próximo domingo!

A rua dos bobos e o pai dos burros

Na semana passada, os jornais noticiaram a causa de um ex-empregado dum condomínio em Mangaratiba. Ele processou – e ganhou! – por danos morais os ex-patrões porque na guia de dispensa constava como endereço “Rua dos Bobos, 0”.

É lugar comum a afirmação de que a música popular brasileira é nosso maior patrimônio cultural.  Apesar de certo exagero, todos concordam que um dos aspectos da cultura brasileira mais conhecidos e admirados em todo o mundo é a música (já foi o futebol…). Quase poderíamos dizer “música popular”, não fosse a presença desse gigante chamado Villa-Lobos, que é até mais tocado e estudado que seus pares do formato canção.

             Neste cenário, é de se supor que a citação de autores, intérpretes ou obras de nosso cancioneiro fosse algo corriqueiro em textos jornalísticos, ensaísticos e mesmo na literatura de ficção. E que esse acervo cultural fosse do conhecimento da maioria, principalmente daquela camada que se autonomeia como “culta”, formada em universidades.

            Infelizmente, no dia a dia das redações, topamos com exemplos constrangedores de ignorância. Os caras enchem a boca pra falar da última bandinha de garagem que surgiu na semana passada em Londres (e da qual ninguém se lembrará daqui a um ano), mas não sabem quem foi Lamartine Babo…

            A frequência de asneiras só não é maior porque a maioria prefere esconder seu desconhecimento sobre a cultura brasileira. Afinal, no mundo idealizado, globalizado e cosmopolita onde ficam as sedes dos jornalões, é mais cool citar Madonna que Dolores Duran. E quando arriscam, sai besteira.

No Estado de SP, matéria não assinada de 13/04/12 (caderno Metrópole) afirma que o verso “Rua dos Bobos, número zero” é de uma canção do “violonista brasileiro Baden Powell”. O mais modesto A Voz de Caxias, sobre o mesmo assunto, tascou que a música era de Toquinho. Os redatores deveriam voltar à escola (de samba, talvez, se é que alguma vez pisaram lá). Outros, mais escaldados, deram a notícia mas evitaram chutar a autoria do verso.

De onde vem tal divergência? Terá a memória traído os redatores, que certamente cantarolaram esta canção na infância? É fácil observar a origem da gafe, basta entrar no Google. A fonte de informações não confiáveis em que se transformou o “pai dos burros do século XXI” coloca no topo da lista de  busca com o verso Rua dos Bobos, número 0 “ A CASA – Toquinho”.  Logo abaixo, no terceiro tópico, indica “A CASA – Baden Powell.” Os apressados jornalistas, sem tempo para checar as fontes, como se diz no jargão profissional, sequer perceberam que na mesma página havia informações contraditórias. E, por sinal, ambas erradas!

De fato, Toquinho interpretou várias vezes esta canção italiana (de Bardotti e Endrigo), que teve a letra traduzida por Vinicius de Moraes. Como o poetinha andou pela Itália e foi amigo dos autores, alguns podem até arriscar que ele deu um pitaco na letra original. Mera conjectura. O certo é que esta se transformou numas das canções mais populares da Itália (e do Brasil), cantada de cor por várias gerações. As crianças se divertem com o verso “não se podia fazer pipi, porque penico não tinha ali”, que não foi inventado por Vinicius (no original: Non si poteva far la pipì, perché non c’era vasino lì).

É grande a lista de mancadas nos chamados cadernos culturais da velha (outrora, grande) imprensa. A mais comum é atribuir versos aos autores errados. Muitas vezes quem leva a fama é o intérprete, como Toquinho no caso acima. Mas também atribuem origem errada ao artista (“o compositor nordestino Sérgio Ricardo”), confundem o gênero musical (“o sambista Jackson do Pandeiro”), trocam o instrumento do músico, situam em outra época ou até dão por morta gente que ainda tá por aí traçando sua feijoada.

Não chego a defender que a adoção da matéria História da Música Brasileira deva ser obrigatória nas escolas. Mas o simples ensino da música, plena e universal, na rede pública, como já foi no passado (uma bandeira de Villa-Lobos, arriada pela ditadura militar), provavelmente faria as novas gerações despertarem para seu significado cultural dentro de nossa formação como povo, como nação. A partir dessa base, os futuros jornalistas talvez respeitassem mais esse patrimônio tão rico e tão maltratado.

E vamos combinar que pra confiar cegamente na primeira linha do Google é preciso ter residência fixa na Rua dos Bobos, em qualquer número!

(artigo publicado originalmente na Revista Música Brasileira  – http://www.revistamusicabrasileira.com.br)

Pina, por Win Wenders

Assistir Pina, o filme de Win Wenders, é uma experiência sublime. Envolvidos pelas imagens em 3D, sentimos a respiração dos bailarinos, quase sentimos a pulsação acelerada, o sangue correndo nas veias. Toda a radicalidade formal do Tanzstheater  (dança-teatro) de Pina Bausch  se espalha pela tela, captada com emoção e invenção por Wenders, que foi amigo da coreógrafa alemã.

A ideia inicial era filmar tudo no palco, dentro da sede da companhia. A morte de Pina, em 2009, quase encerrou o projeto. Wenders  então reuniu os bailarinos da companhia e pediu que cada um sugerisse o que gostaria de dançar/dizer para Pina. O resultado delineia um retrato intimista da artista, carregado de emoção e sinceridade, ao mesmo tempo em que descortina a grandeza de sua obra.

A Sagração da Primavera abre o espetáculo de forma magnífica. Sentimos a força da encenação, marcada por uma simbologia pictórica de grande impacto. Há um homem, uma mulher, e o início de tudo, marcado pela única veste vermelha. Imagens de Pina são projetadas em uma sala escura, em 2D, por um velho projetor de 16 mm (que vemos em 3D). Wenders não nos deixa esquecer que estamos vendo cinema, grande cinema.

Mas foi a segunda peça, Café Müller, que me fez viajar no tempo. Mais precisamente para um dia remoto, há quase três décadas, quando assisti pela primeira vez, no Teatro Municipal de São Paulo, a chocante e revolucionária coreografia. Os personagens se debatiam entre cadeiras, caíam no chão, sofriam. Meu primo Fábio saiu da sessão tão marcado que pouco depois acabou se casando com uma bailarina! Um pequeno trecho desta peça foi mostrado também  no filme Fale Com Ela, de Almodóvar, lembra?

Wenders foi genial em colocar os bailarinos em cenários reais, ao ar livre. Eles dançam no meio do trânsito, no metrô suspenso de Wuppertal, em parques, em escadas rolantes, à beira de uma enorme escavação. O cineasta demonstra a universalidade de Pina fazendo os bailarinos darem seus depoimentos sobre a saudosa coreógrafa em russo, espanhol, francês, japonês, alemão e português (há uma delicada fala de Regina Advento, que abre o clipe abaixo, dançando sobre as cadeiras).

Tudo é movimento, poesia e beleza. A câmera acompanha os movimentos com uma leveza impressionante. Quando as luzes se acendem, e nos levantamos e encaminhamos para a saída, por alguns momentos parecemos personagens de Pina/ Wenders, dando continuidade à  mise en scène.  Wenders conseguiu transportar a magia da dança para as salas de projeção, com plena felicidade. Quase saí dançando…

Madame e a Sexta Feira, 13

Ela surgiu há alguns meses, de mansinho. Pulava o muro de volta quando alguém se aproximava. Com o tempo ganhou confiança. Passou a tomar sol no quintal, sossegada. Acabamos pondo água e comida, desde que não entrasse em casa. Entendeu as condições, depois de alguns entreveros. E começou a ficar barriguda. Não me preocupei muito, porque ela não pernoita por aqui. Imagino que deve dormir num lugar quentinho e seguro, algures. No final de março, apareceu esbelta novamente. E com uma fome daquelas, já chega miando e pedindo comida.  Come, lambe os bigodes, recebe um agrado e some por um par de horas. Cuidando da prole, certamente. Mas a quantidade de ração consumida dobrou, aqui em casa. Creio que em breve vai apresentar a família.

Hoje, véspera de sexta feira, 13, Madame fez pose no quintal. (Esqueci de dizer que o nome dela é Madame. Madame Satã, prima do Satanás, da Bruxa do 71). Espero que não sofra nenhum tipo de perseguição por conta da ignorância e da superstição. Gosto de gatos pretos, minha mãe teve um chamado Martim Afonso de Souza. Madame tem uma mancha branca no peito, e sua presença é sempre bem vinda. Onde tem gato, não tem rato.

Flying Down to Rio again

Semana de Páscoa, aniversário de filha. Desde o primeiro ano a confusão entre presentes e ovos de chocolate era constante, lá em casa. Bolo em forma de coelho, decorado com ovinhos, foi um clássico (que ela não gostaria de repetir, e nem eu).

Algumas vezes o aniversário cai na Sexta Feira Santa, ou seja, difícil fazer festa nessa data. Por outro lado, desde pequena, ela passou a curtir uma bacalhoada daquelas, neta de português que é. E quem nasceu no mesmo dia que Billie Holiday e Mussum, não tem do que reclamar.

Voei para o Rio, como naquele filme clássico, para comemorar o aniversário de Maria Flor, filha querida. O bacalhau da sexta foi devidamente degustado na Adega Flor de Coimbra, tida como a mais antiga da cidade. No mesmo endereço desde 1938, num sobrado onde morou Portinari, é um dos lugares do Rio antigo que mantém aquela aura indefinível que algumas cidades tem, outras não. Uns chamam de charme, outros de tradição.

Os donos da Adega tem certas idiossincrasias, que explicitam através de cartazes bem claros. Na verdade, muitos bares gostariam de colocar este aviso na parede, mas não tem coragem…

No sábado, reinauguração da quadra da Portela. Vamos lá? Claro! Busão até a Central do Brasil, trem até Madureira. Um mergulho no Brasil urbano-suburbano profundo, cheio de histórias.

O espaço é meio cenográfico, com paredes de gesso acartonado, mas é lindo. Tudo azul e branco, recém pintado, cheirando a novo. A feijoada consegue agradar, mesmo sendo feita em quantidades industriais (meu tíquete era de número 523…).

Rever a Velha Guarda da Portela não tem preço, capitaneada pelo grande Monarco. As pastoras se aplicam nos grandes clássicos mas a acústica não ajuda, como em qualquer quadra de samba. Entendemos mais as letras cantadas por quem está ao lado, ali no chão, do que pelos amplificadores amontoados nos cantos do palco.

À noite, outro clássico: O Bar do Zé, ali atrás do Glória. Cada vez que vou gosto mais do esquema simples, da possibilidade de pegar sua cerveja no balcão e ir tomar na calçada, conversando, sem barulho de trânsito ou vozerio de multidões. O espaço é lindo, com uma bela coleção de cachaças, parede de tijolos aparentes, portas em arco. Na rua de paralelepípedos o movimento de automóveis tende a zero, ampliando o espaço de convivência até a outra calçada. Mas fecha à meia noite, pois o Zé gosta de dormir cedo…

Enfim, voei de volta num domingo ensolarado, vendo toda a orla pela janela. Barra, Bandeirantes, Restinga da Marambaia…  Angra dos Reis, Ilha Grande, Paraty… Ubatuba, Ilhabela, Guarujá… E As represas enfeitando o alto da serra: Paraibuna, Billings, incrivelmente coalhadas de ilhotas. Um cenário fantástico, que deveria ser mais aproveitado pelo cinema brasileiro. Reichenbach tentou, Candeias experimentou, Person passou perto. Que tal?

Cordão da Mentira

Pra não perder o hábito, acordei no último domingo disposto a lutar pela “beleza, a verdade e a justiça”.  Este lema, que pra mim sintetiza tudo, é uma fala do personagem Paulo no glauberiano filme Terra em Transe. Desde que ouvi pela primeira vez senti que havia encontrado minha bandeira. Nem pátria, nem igreja, nem partido, nem patrão. Alguns pactos eventuais, no máximo, com algumas dessas entidades.

E um deles foi me irmanar à manifestação, puxada por jovens, chamada Cordão da Mentira. Depois de uma semana vibrante, onde denunciaram publicamente vários torturadores impunes, escolheram o dia Primeiro de Abril para uma ação mais ampla. E lá fui eu, meio de ressaca ( o sarau da véspera foi lindo!), às 11 h da manhã para o Cemitério da Consolação, ponto de partida de uma verdadeira maratona cívica.

No início, pouca gente. Várias tribos, todas unidas pelo fim da ditadura. Hã? Isso mesmo, Joãozinho, os resquícios, o entulho, a impunidade continuam aí, só não vê quem não quer. Encontrei os poetas da Cooperifa, a turma da capoeira, o Miltão do MNU, o Gegê dos movimentos urbanos, as nossas Mães de Maio, militantes comunistas de cabelos brancos, jovens libertários, o pessoal da Nauweb, uma amiga de faculdade…

E o povo foi chegando, e o cordão engrossando. Descemos a Consolação às 14 h, em direção à Maria Antônia. Cenário histórico de enfrentamento entre esquerda X direita nos anos 60. USP x Mackenzie. O Centro cultural da USP no local foi batizado como José Guimarães, estudante (colegial!)  morto por um tiro. O assassino é mais um impune, incólume, acobertado pela ditadura infame que perseguiu, torturou e matou tantos outros estudantes, trabalhadores e militantes durante 21 anos. O grupo Engenho Teatral fez um pequeno esquete no local.

O Cordão ainda faria manifestações em frente ao Mackenzie, na sede da TFP e na Folha de SP, terminando no velho DEOPS, hoje Memorial da Resistência. Parei por ali, pensando na História mal escrita desse país. História que este senhor fazia questão de contar com detalhes para cada jovem que encontrava.

Gosto de velhinhos entusiasmados e convictos. Espero me tornar um desses (vai demorar um pouco, eu sei), e não um resmunguento reacionário que não sai do sofá, reclamando da vida e assistindo a rede Globo. Tô fora!

Mr. Sganzerla ataca novamente!

Rogério Sganzerla

Termina o Festival Tudo é Verdade 2012, com a vitória do documentário Mr. Sganzerla. O diretor Joel Pizzini recriou a linguagem caótica do biografado, utilizando apenas imagens originais e depoimentos em off. A ousadia ganhou o reconhecimento dos críticos, coroando um trabalho de vários anos de pesquisa e edição.

Rogério Sganzerla, o delirante criador do Bandido da Luz Vermelha, já havia merecido uma bela exposição no Itaú Cultural, em 2010 (Ocupação Sganzerla). Apaixonado por cinema, construiu uma obra feita de colagens e citações, mas imprimindo uma marca pessoal no conjunto da obra. Muitos adjetivos foram aplicados a ele, ainda em vida: pirado, marginal, pós-tropicalista, gênio, anárquico. Provavelmente ele foi um pouco de tudo isso.

Recebi com muita alegria a notícia da premiação. Minha filha, Maria Flor, foi produtora, assistente de direção e pesquisadora desse projeto. Seu marido, Cláudio Tammela, editou. Vai ter festa no Rio, semana que vem, e estarei lá!

 Helena Ignez e Paulo Villaça, em cena do Bandido da Luz Vermelha (1968)


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