Aniversário de São Paulo, cidade onde vivo há mais de 40 anos. No jornal matutino, um caderno especial traz centenas de comentários e sugestões para melhorar a cidade. Ilustres e desconhecidos concordam numa coisa: é uma cidade feia. Boa parte das sugestões são para embelezar, florir, despoluir, descontaminar. Outra parte fala em pacificar, oferecer mais cultura, mais escolas, mas saúde, tudo aquilo que toda cidade precisa sempre, mais e mais.
O curioso é o sentimento comum de que “é feia, mas gosto dela”. Claro, só entrevistaram gente com algo a sugerir para tornar a vida mais agradável, não que queira se mandar da cidade. O escritor Humberto Werneck, um de meus colunistas favoritos, mestre do humor fino e mordaz, define a cidade como “danada de feia – mas cozinha como poucas!”, e recomenda a ela um “tapinha na fachada”.
Alguém imagina ver o Werneck ofendido na seção de cartas, ameaçado de morte, xingado até a quinta geração, por ter chamado a cidade de feia? Não só ele, mas todos os entrevistados pelo jornal, que expressaram a mesma opinião. Só um psicopata tentaria mudar a opinião deles no tapa, certo?
Pois certa vez comentei, aqui no Fósforo, que a cidade de Picos (PI) era feia. Menina, você não imagina a quantidade de ofensas que lotou a caixa de respostas ao post. Isso faz mais de quatro anos, a até hoje ainda tem gente que entra lá pra me xingar de tudo o que você possa imaginar. Preconceituoso, sulista metido, xenófobo (?), ignorante e vagabundo são apenas as ofensas publicáveis. Há insinuações sobre minha masculinidade (como nordestino é obcecado com essas coisas!), ofensas à minha mãe, ameaças de linchamento e humilhação pública se voltar a pisar em Picos e otras cositas más.
Não apaguei as mensagens (mais de cem!), até porque compõem um painel interessante sobre o sentimento de inferioridade mal resolvido que certas pessoas cultivam. Dois ou três se colocaram acima da miopia bairrista e reconheceram: “Tá, a cidade é feia, mas gosto dela”. Postura saudável, inteligente e crítica. É de gente assim que uma cidade precisa para melhorar, seja São Paulo, Nova Iorque, Picos ou Xiririca da Serra.
Diz o ditado que quem ama o feio, bonito lhe parece. Gostar é o primeiro passo para tentar melhorar. Mas achar que é lindo, que está tudo bom, de forma acrítica, é caminho certo para o comodismo e a inércia. Enxergar os defeitos de sua cidade e propor (ou cobrar) soluções é postura digna, um exercício de cidadania.
Picos tem menos feiura que São Paulo, pois é bem menor. Também tem menos belezas, pelo mesmo motivo. Há cidades muito mais bonitas esparramadas pelo mundo, pode ter certeza. Mas nesse 459º aniversário de São Paulo, me impressionou a quantidade de pessoas que sugeriram ideias para deixar a paisagem urbana mais agradável. Como diz o Werneck “ela pode até cozinhar como poucas, mas podia ser mais graciosa.” Quem há de duvidar?