A vida sem retorno

Albert Camus disse, em sua obra O Mito de Sísifo, que só há um problema filosófico verdadeiramente sério: o suicídio. Se a vida vale a pena ser vivida é, para o escritor argelino, questão advinda de uma reflexão sobre a falta de controle sobre o destino, sobre as engrenagens sociais que determinam e conformam trajetórias, sobre os grilhões éticos e morais que nos aprisionam.

O romance Doze Dias, de Tiago Feijó (Penalux, 2022), não trata de suicídio, mas em vários momentos traz à tona estas questões. Ao mergulhar no difícil reencontro entre um filho e um pai que não se veem há quinze anos, na UTI de um hospital, o autor nos envolve em um tempo-espaço sem contornos definidos, onde os dias variam de ordem e os fatos pouco a pouco vão revelando nuances sobre os personagens.

O que poderia resultar num drama sombrio e masoquista é contornado com habilidade por Feijó. Ao introduzir um casal de velhos na mesma antessala de UTI, que vai interagir com o pai e filho por alguns dias, ele coloca a possibilidade de vidas felizes, de esperança de cura, descrevendo o fervor simplório de quem acredita em milagres. Um luminoso contraponto ao cinzento horizonte em que se encontram os protagonistas.

Outros personagens saem da penumbra. A mãe, separada há muitos anos do senhor Raul, e que criou o filho Antônio praticamente sozinha (supomos). A meia irmã, que ele mal conhece, a segunda mulher do pai, que faz uma aparição fugaz. As enfermeiras, sempre eficientes e insuficientes. Em alguns momentos a narrativa sai do hospital e acompanha o filho que retorna à casa paterna agora vazia, em Lorena, para regar as plantas a pedido do pai.

O grande personagem de Doze Dias é o narrador. Onisciente, dialoga com o leitor ora descrevendo o estado mental dos protagonistas, ora antecipando ações que só ocorrerão algumas páginas depois. Desnuda com detalhes a vida dissoluta do senhor Raul, revela as inseguranças do filho, não perde tempo em detalhes dos personagens secundários.

Tiago Feijó controla com maestria todos as camadas da narrativa, e entrega um belo romance de 185 páginas onde o leitor vai compartilhar um drama que está presente na vida de milhões de pessoas que sentem na proximidade da morte uma natural compulsão a reavaliar seus laços familiares, suas relações afetivas, e também a sua própria vida. Sem a pretensão de dar lições, mas de fazer boa literatura.

(Publicado originalmente em A Terra É Redonda).

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