Arquivo para dezembro \27\-02:00 2011

A in-Veja e a Privataria Tucana

Passeei por algumas livrarias paulistanas em dezembro, antes e depois do Natal. Gosto de presentear com livros, como muita gente boa. Na Fnac, por duas vezes, vi o livro A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr, entre os mais vendidos. Um dia em terceiro, outro em segundo, perdendo apenas para a biografia do Steve Jobs (aquele muquirana ególatra que nunca pensou em ajudar o próximo. Perto dele, Bill Gates é quase um santo, com suas doações para a África, pela erradicação da malária, contra o analfabetismo, etc.).

Na Livraria da Vila, idem. Ibidem, na Nobel. Ou seja, o livro está vendendo que nem gelo no deserto. Apareceu nas principais listas do país. Até alguns jornalões publicaram, meio a contragosto. Mas a revista in-Veja, aquele pedaço apodrecido de mau jornalismo, inova. Ou melhor, faz o que costuma fazer: mente. O livro simplesmente não aparece na sua lista de “mais vendidos”, nesta semana.

Ou seja, bradam contra a censura (que nunca sofreram neste governo), mas são os primeiros a praticá-la, se vai contra seus interesses. Manipular lista de livros mais vendidos é falcatrua pequena, perto das reporcagens de capa que o chiqueiro da editora Abril publica usualmente.

Me intriga o fato de ainda haver leitores para esse tipo de publicação. Gente que se acha inteligente, mas que gosta de ser enganada. Gente que aplaude mentiras, que fecha os olhos para fatos escancarados, que se inebria com o ódio destilado por colunistas de aluguel. Enfim, gente completamente desmoralizada pelos fatos. Que apoiaria, de rabinho abanando, um golpe contra o governo democrático que temos hoje no país, apesar dos pesares.

Não à toa, o maior cliente da editora Abril é o governo do estado de São Paulo. O ínclito governador Serra (mais um cargo que ele abandonou no meio, como tantos outros) assinou, sem edital ou concorrência, a maior compra de assinaturas já registrada por essas bandas. Não à toa, teve direito a capa meiga, sorridente, na campanha presidencial do ano passado. E paulada nos concorrentes, pois é o (cliente) número um.

Vejam só: o principal denunciado no livro do bravo Amaury, que não perdoa nem tucanos nem petistas, é este senhor acima. Que a in-Veja, em 99, publicou na capa, em plena privataria. Hoje esconde, fingindo que nada aconteceu. Mudou a in-Veja, ou mudou o Brasil? Ambos mudaram, em sentidos opostos. Uma foi pro esgoto, o outro está tirando o pé da lama, tentando corrigir os erros do passado. Que venha a Comissão da Verdade, tão necessária, e o Conselho Público de Comunicações, com regras claras e definidas para disciplinar esse charco onde naufraga a nossa “velha” imprensa. Como em qualquer país civilizado, aliás.

Um Natal com sotaque brasileiro

Você talvez já tenha visto este vídeo, que bombou nas redes sociais em dezembro. Muita gente está repassando, trocando com os amigos. Mas não é apenas um vídeo bonitinho de Natal. É uma tomada de posição em defesa da cultura brasileira, de um sotaque próprio, de um olhar nosso sobre esta festa universal.

Mais que isso: ao enfocar pessoas simples, humildes, artistas populares que cantam com o coração a canção natalina, retoma a origem do cristianismo. Sem os brilhos falsos do consumismo, da propaganda descarada, do arrivismo social indecente que grassa pela televisão. Ninguém aqui ostenta luxo, riqueza, plástica perfeita, inserção na sociedade. Cantam porque gostam, porque isso significa alegria, e fazem disso seu ofício. E porque uma canção pode trazer muitos significados, não importa a religião, raça, cor ou nacionalidade do ouvinte. Pra mim, a coisa mais bonita que vi neste fim de 2011.

Sodade de Cesária…

Corria o ano de 1996. Eu trabalhava na TV Band, e dirigia uma equipe de reportagem que, entre outras coisas, fazia matérias culturais para o programa DiaDia. Certo dia, agendaram uma entrevista com Cesária Évora, num hotel de São Paulo.

Para espanto de meus colegas, dei pulos de alegria. Nem sequer conheciam aquela mulher, era algo exótico para eles. Cheguei à entrevista com um CD, que saiu devidamente autografado. Era Miss Perfumado, o primeiro lançado no Brasil, que abria com sua faixa mais célebre, Sodade.

Como não se apaixonar por aquela voz? Uma das belezas mais perfeitas que ouvira até então, complexa como um bom vinho, com algo de arcaico, algo de moderno, e um leve toque maternal, de mãe saudosa do filho. Sei lá, a beleza não tem muita explicação, ela é. Chorei na primeira vez que ouvi, e até hoje me comove.

Chocou-me, durante a entrevista, vê-la acender um cigarro. Depois fui saber que também tivera problemas com o álcool, deixando de cantar por quase uma década. Perguntada se ouvia música brasileira na ilha de Cabo Verde, ela falou que na juventude adorava ouvir… Ângela Maria!

Ouvi muitas vezes aquele disco autografado, e muitos outros. De vez em quando espio algum clipe na internet. A Diva dos Pés Descalços fez duetos com os brasileiros Marisa Monte e Caetano Veloso, o italiano Teofilo Chantre, a portuguesa Mariza e o malinês Salif Keita, a Voz Dourada da África., entre outros. Conheci as mornas e coladeiras de Cabo Verde através de sua voz límpida (e também a própria ilha, já que muitas clipes mostram a bela paisagem oceânica).

Cantou algumas vezes no Brasil. Sempre descalça, como fazia questão de  pisar no palco. Nesta semana, a saudade ficou maior…

A poesia de Neuza Pinheiro

Terminei de ler Pele & Osso, livro de poesias de Neuza  Pinheiro. Terminei? Acho que não vou terminar nunca! Está na minha cabeceira, e ali terá sua morada por muito tempo.

                Leio e releio com deslumbre e inveja (da boa, que reconhece o talento maior). Haicais concisos e profundos, imagens vertiginosas, poemas pedindo para serem cantados, sem abrirem mão de ser poesia de fino lavor. Neuza, que tem uma história de envolvimento com música e com vanguarda, mostra aqui todos os matizes de sua face literária.

                Há algum tempo, quando lançou o CD Olodango, chamei a atenção para sua poética “lunar”. Pele & Osso me obriga a uma correção: Neuza não é melancólica, romântica ou apenas um satélite. Ora brinca de ser tudo isso, ora faísca como estrela de primeira grandeza. Tem luz própria, e revela seus segredos, “bebendo sangue de aurora”. Era lua nova, agora é lua cheia, plena.

                Neuza Pinheiro brilhou como intérprete de Arrigo Barnabé, em Sabor de Veneno, no Festival da TV Tupi, em 1979. Depois de Olodango e Pele & Osso, entra no rol das inventoras, enredando-nos de forma definitiva em sua teia de palavras. “Música na caixa de vidrilho/ em estado permanente de estribilho”.

                A cantora/escritora refrata o sentido das palavras, dardejando o silêncio da leitura com ciscos luminosos. Aqui parece concretista, na página seguinte soa drummondiana, ali ecoa Clarice, acolá é quase pop. Lua branca, soma de todas as cores. “Quem precisa de tanta clareza/ numa só manhã?”.

Nós precisamos desses “pássaros miúdos na concha do ouvido”. São essenciais, como pele e osso, e dispensam a gordura das palavras desnecessárias. Neuza sabe quanto vale um verso.

Caiu a casa do Serra…

Dois livros impactantes foram lançados há poucos dias, e vão levantar muita discussão. O primeiro, A Privataria Tucana, é fruto de 12 anos de pesquisa do premiado jornalista Amaury Ribeiro Jr. Revela detalhes das maracutaias e desvios obrados durante o governo FHC,  com o desmonte do Estado e o sumiço de milhões de dólares, sob o discurso anestesiante do neoliberalismo. Leitura imperdível para quem ainda acredita na lisura dos emplumados políticos da oposição. Lembra do caso da funcionária acusada de quebrar o sigilo de tucanos, em Mauá, durante a campanha de 2010? Pois o livro conta, tintim por tintim, como a filha de José Serra quebrou o sigilo de 60 milhões de brasileiros e a imprensa escondeu o assunto (mas esse é o tema do segundo livro aqui comentado).  Tenho vontade de enviar um para o Ferreira Gullar que, no ano passado, em plena campanha eleitoral, classificou Serra como pessoa de “ilibada conduta”. Quem sabe ele acorda…

O outro livro é de dois jornalistas veteranos, respeitados pelos colegas, admirados pelos focas mais idealistas. Mylton Severiano e Palmério Dória têm uma biografia tão rica que não dá pra esmiuçar aqui. Recomendo uma pesquisa na internet. A dupla é jurada de morte no Maranhão por ter escrito um livro denunciando o cappo de tutti capi José Sarney (Honoráveis Bandidos, Geração Editorial, 2009). Rola no YouTube um mimoso vídeo mostrando os “seguidores” do bigodudo tentando empastelar o lançamento do livro em São Luís. Realizado num sindicato, por sinal, porque todas as livrarias da cidade se recusaram a bancar o evento, com medo de represálias.

A nova empreitada é Crime de Imprensa (Plena Editorial, 2011, 35 reais). Como eles advertem na capa, nós não vamos ler nenhuma resenha ou nota sobre este livro na “grande” imprensa. Simplesmente porque o tema é o comportamento da  mídia durante a campanha eleitoral de 2010. As mentiras, a manipulação, a ocultação de fatos comprometedores, o jogo de interesses. Lembra da bolinha de papel, que tentaram transformar na “bala de prata” que iria derrubar o monstro Lula e sua criatura Dilma? Tá lá, explicadinha. E  um dos personagens centrais do primeiro livro aqui vira protagonista absoluto: José Serra. Aquele que liga para redações e manda cortar matérias, demitir jornalistas ou publicar reporcagens (sic) convenientes. O que é contra o “controle social da mídia”, porque significaria dividir o controle com essa gentinha que é o povo brasileiro.  Melhor dividir com os Grandes Irmãos, como Severiano chama a meia dúzia de famiglias que controlam a imprensa nativa.

Enfim, leitura rápida, vertiginosa, no sentido de não conseguirmos largar o livro depois de iniciado. E profunda, como deve ser a busca da verdade. Oxigênio para quem vive sufocado pela mediocridade conivente dos jornalões e emissoras de TV, pelas mentiras que ocultam interesses, pelo preconceito mal camuflado, vendo a opinião pública ser contaminada por estes  “honoráveis bandidos” que são os donos da velha imprensa. Como disse o grande Lima Barreto (1881-1922), citado no prefácio:

“- A Imprensa! Que quadrilha! Fiquem vocês sabendo que, se o Barba Roxa ressuscitasse, agora com os nossos velozes cruzadores, e formidáveis couraçados, só poderia dar plena expansão a sua atividade, se se fizesse jornalista. Nada há tão parecido como o pirata antigo e o jornalista moderno…”

E para quem, de antemão, acusar a dupla de governista, a resposta já vem pronta:

“Aos leitores poderá parecer que os autores votaram em Dilma Rousseff. Assim é se lhes parece. Foi um voto bastante por exclusão: não havia ninguém melhor do que Dilma na lista dos candidatos em 2010 para governar. Não somos dilmistas, muito menos petistas. O mais adequado sufixo ‘ista’  que se pode aplicar aos autores se encontra na palavra ‘jornalista’”. 

Estes honram a profissão!

Sócrates Brasileiro

Foi em 1988 que Ná Ozzetti lançou seu primeiro  LP solo.  A interpretação refinada  e sutil jogou os holofotes para cima da vocalista do Grupo Rumo, que passou a ser uma espécie de musa dos compositores. Entre eles, Zé Miguel Wisnick, autor de quatro canções do disco.  Uma dela, Sócrates Brasileiro, é um genial samba-enredo feito em homenagem ao Doutor, com letra inspiradíssima. Wisnick, santista de coração, se rendeu ao talento do corintiano e criou uma de suas composições mais originais e inesperadas. Nesta semana de loas e saudades, melhor ficar com a música, perfeita tradução do craque que soube ser na vida bem mais que um jogador de futebol. Quem ouvir, verá!

Dilma Rousseff, 1970

Uma bela e reveladora  foto. Dilma, uma jovem de 22 anos,  ouve sua sentença de condenação na Auditoria Militar  do Rio de Janeiro. Uma entre tantas jovens idealistas que ousaram enfrentar a ditadura, colocando a própria vida em risco. Dilma é ela mesma.  Reconhecemos na jovem a mulher de hoje.  Já  os “juízes” escondem o rosto. Não é preciso dizer quem foi mais covarde. Difícil é entender, hoje, que exista gente que ainda defenda esses covardes.


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