Arquivo para novembro \30\-02:00 2010

Vendo compadre

A que ponto chegamos…

Jilóganuche

Semana passada fizemos aqui na ilha um babaganuche como eu gosto de preparar: berinjelas na brasa, viradas sobre a grelha até que a pele comece a soltar. Ficou ótimo, todos elogiaram.

Anteontem, conversando sobre a culinária regional brasileira, tia Adelaide comentou sobre o fato de um jiló ser igualzinho a uma berinjela, por dentro. “Uma berinjelinha”, dizia ela. E emendou: “Vamos fazer um babaganuche de jiló? Você topa?”

Experiência maluca é comigo mesmo. Ontem pusemos os jilós na brasa, e preparamos o molho de tahine. Pra garantir, a tia preparou um homus bem cremoso, com pimenta síria. Ela tem o capricho de tirar todas as casquinhas do grão-de-bico, fica uma coisa espetacular.

Descobri que jiló deve ficar mais tempo sobre a brasa. Murcha do mesmo jeito, fica assado igual, mas a casca é mais aderente, demora mais pra sair. Depois de descascados, a aparência é idêntica.  Aí, é só amassar com um garfo e misturar bem com o molho de tahine preparado. Consistência e sabor muito parecidos, e um retrogosto amarguinho, bem lá no fundo. Pra quem gosta de jiló, um achado!

Pasta de jiló

Recebendo o tahine

Jilóganuche no capricho!

Barquinhos e barcões

Todo ano é assim. De novembro pra frente, começa a temporada dos cruzeiros turísticos, na Ilhabela. E a paisagem, sempre povoada de barquinhos, é invadida por alguns barcões, maiores que muitos edifícios.

E a rua do Meio se enche de turistas de óculos escuros, camisas coloridas e diferentes línguas e sotaques. Gosto mais dela assim, vazia, às 8 horas da manhã…

Basta um navio desses para lotar o centro.  Esta semana havia dois ancorados! O fim de ano promete muita agitação. Vou encher a geladeira de cerveja e me isolar durante o reveillon…

Sobre a morte

“O que era a morte para mim, até então? Sentei ao lado daquele corpo que esfriava lentamente, e vasculhei o embornal das lembranças. Os bichos que via matar na fazenda. Os gritos lancinantes do porco ao receber a facada certeira. As galinhas assustadas, cujo pescoço era destroncado com um rápido giro de mãos pela cozinheira Leonor. O estabanar dos peixes, no fundo do cesto, lançando faíscas de prata no ar. A morte brusca dos tatus e lagartos estatelados no asfalto. A morte lenta do cafezal, após um período longo de estiagem. A morte de minha mãe, que se transformou em ausência.

Quantos seres no mundo viram a própria morte? Os que morreram lentamente, em fogueiras, em cruzes, em cárceres. Os afogados, os devorados pelos bichos, os incendiados pela febre, anteciparam o fim, tiveram vislumbres da escuridão eterna que se aproximava.  Para uns, a serpente venenosa, o escorpião, a bomba, a mão armada. Para outros, a névoa que lentamente dissipa o mundo, a falsa embriaguez dos anestésicos, a noite branca dos hospitais. A mão levemente perfumada do anjo que fecha teus olhos, com um sorriso gélido. A garra peluda do fauno que gargalha, enquanto prepara a corrente por onde arrastará sua alma até o canil celestial. A imaginação de cada um escolhe a forma de morrer.”

Companheiros de jornada

Minha estadia em Ilhabela não significa isolamento total. Além de sair de casa todas as noites, tomar cerveja, tocar violão e ver a lua, convivo com um grupo de companheiros no dia a dia. Às vezes, bastante ruidosos, chegam a interromper meu trabalho. A mais fiel e comportada é a Pretinha  (que não é exatamente pretinha…):

Presença constante e companheiro de caminhadas é o Uísque, que é todo preto.  Black Label, para os íntimos. Entra e sai da casa a hora que quer, pulando um muro com mais de um metro de altura. Um atleta…

Os visitantes mais frequentes são os camaradinhas aí de baixo. Como o jerivá ao lado de casa está cheio de coquinhos, os esquilos fazem a festa. Às vezes tem quatro ou cinco, já conheço até alguns pelo nome.

O Sem-rabo, por exemplo, é sempre o primeiro a chegar. Ousado, deve ter deixado seu adorno nas garras de algum gavião ou nos dentes de algum cachorro da vizinhança. Mas continua intrépido.

O barulho que eles fazem roendo e atirando coquinhos o dia todo no telhado é impressionante. Turminha da pesada!

Cadê o sol?

Chove há dias, em Ilhabela e São Paulo.  Fico olhando para esta foto, feita na semana passada durante uma caminhada matinal, e imagino que até os peixes, os siris e as tartarugas sentem saudade do sol. Nadar num mar azul deve ser bem mais legal que num mar opaco, cor de garapa.

La Mer, de Debussy, seria ainda mais belo se ele morasse nos Trópicos. Mas neste lado da  ilha o ritmo das águas é outro, definitivamente!

 

 

Dez dias

Dez dias na ilha, 40 páginas escritas. Parece pouco, né? Produzo mais que isso numa semana normal em São Paulo. Certamente escrevi 50% a mais. O trabalho de enxugar, limpar, cortar, espremer, livrar a escrita de todas as gordurinhas, ocupa boa parte de meu tempo. Toda manhã inicio o trabalho com o bisturi na mão.

E zelo pela sanidade mental, também. À noite saio de casa, converso com outras pessoas além da Pretinha, tomo uma cerveja. Minha anfitriã, Adelaide, mora aqui:

A vista da varanda é assim:

Meu retiro fica ali embaixo, logo depois das árvores. E a rua, como não poderia deixar de ser, foi batizada por nós, há alguns anos:

O último dia de sol foi quarta-feira. De lá pra cá, céu e mar de chumbo. Mesmo assim, tem gente com coragem pra velejar…

Quer saber? Se tivessem me convidado, eu também iria…

As caminhadas matinais continuam.  Com sol ou não, a vida continua. Esta cena, por exemplo, me deu a idéia para um conto:

Na mesma manhã, fotografei os maiores cogumelos que vi na vida, do tamanho de um prato de sobremesa:

Neste feriado a Carmen veio me ver, e suspendi por dois dias os trabalhos (acrescentei dois parágrafos sugeridos por ela, que iluminaram o final da primeira parte). Ela é a autora da primeira foto. Quem conseguir ampliar, vai ler um capítulo inédito do romance Terno de Reis na tela do computador…

 

 

 

Retiro na ilha

Nenhum homem é uma ilha, diz o velho adágio, que já foi até tema de redação no vestibular. Por isso estou aqui, jogando minha garrafa ao mar, saudoso dos amigos.

Minha rotina tem sido acordar cedo, sem despertador. Faço uma caminhada matinal, que às vezes é em direção à Vila, às vezes ao Perequê. A paisagem quase deserta da manhã recém nascida me faz bem pro espírito. Acaba até contaminando o que escrevo.

O astral do velho Engenho Dágua, por exemplo, aí embaixo, pertinho de casa.  Ao fundo, o Baepi, ponto culminante da ilha.

Meu retiro é uma pequena casa que conheço desde a infância. Passo o dia escrevendo, com intervalo para fazer o almoço. Coisas leves, que me ocupam por uma hora, no máximo. Salada de cuscuz marroquino, abobrinha recheada de atum, uma massinha, muita verdura. À noite subo o morro para a casa da tia, onde aí tomamos uma cerveja, conversamos e fazemos coisas mais caprichadas. Um babaganuche feito na brasa, por exemplo, puxado no alho pra espantar os vampiros.

Ainda não fui à praia, embora esteja a poucos metros dela. Dei um mergulho na piscina, na terça, mas de lá pra cá o tempo esfriou. Ideal para escrever. Lá fora, o verde gotejante é intenso. A casinha é cercada de uma mata tão densa que do portão não dá pra enxergá-la.

Trilha sonora: Mozart, Beethoven (só as sonatas para piano), Chopin, André Mehmari, Chico Saraiva, Duofel. E uma coletânea da Araci da Almeida, só pra dar um tempero enquanto cozinho!

 

Ilhabela, parte 1

Primeira semana em Ilhabela. Desacelerando do ritmo paulistano. Tenho como companhia a Pretinha e o Uísque, um casal de viralatas. Curiosamente, a Pretinha é marrom e preta, e Uísque é totalmente negro. Black Label, talvez…

Escrevo um romance, e tenho 90 dias para terminar. Cheguei com dez páginas escritas. Três dias, mais quinze páginas. Uma boa média. Na verdade, escrevi quase o dobro, mas a primeira coisa que faço quando acordo é revisar o que escrevi na véspera. E começo a podar, desbastar, cortar, enxugar. Lá se vai uma manhã, nesse processo de lapidação. Depois do almoço, recomeço.

Por enquanto, acordo e durmo cedo. Às 8 horas estou fazendo minha caminhada matinal, na beira da praia. No sábado choveu o dia todo, e me senti enferrujado. A casa fica rodeada de verde gotejante, onipresente em todas as janelas.

Só abro a primeira cerveja após as 18 horas (tirando aquela do almoço). Subo o morro e converso com minha anfitriã, mecenas e consultora, tia Adelaide. Conversamos sobre os anos 60, sobre a rua Maria Antônia, sobre os festivais de música, sobre o movimento estudantil. Ela fez teatro, nos anos 60, foi fundadora do CPC da UNE, mas não consegui enfiar isso na trama. Fica pra outra vez.

Imprensa marrom de papel couché

Poucas vezes vi uma matéria tão tola e mal intencionada quanto a que a (In)Veja, aquele lixo multicolorido que alguns incautos folheiam na sala de espera do dentista, publicou esta semana.

O texto é um primor de desinformação e má fé:

“Como se sabe, a forma mais sincera de elogio é a imitação. Uma pesquisa fotográfica mostra que, por esse prisma, Lula é um elogio itinerante ao ditador Fidel Castro, sucessor do ditador Fulgencio Batista em Cuba.”

O autor, um rematado imbecil, não lembrou que bilhões de pessoas no mundo colocam (ou tiram) os óculos da mesma maneira. Até ele próprio, se tiver coordenação motora para tanto. Aliás,  bilhões também seguram uma máquina fotográfica do mesmo jeito.

Uma pesquisa (se ele houvesse feito), mostraria, em um minuto de Google, fotos como esta:

Ou esta:

Mas o que dizer desse tipo de imprensa? Fico com as palavras do mestre Alfredo Bosi, proferidas na semana passada durante o manifesto dos professores da USP em defesa da democracia e da universidade:

“Esta imprensa marrom de papel couché…”. A platéia – estudantes, funcionários, professores e até o ex-aluno que aqui escreve – gargalhou, e o nome do asqueroso hebdomanário nem precisou ser pronunciado.

E se estiverem todos imitando o Brad Pitt?

 

 


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