Arquivo para abril \15\-02:00 2019

Por trás da face serena

Face Serena

Esta coletânea de contos, alguns inéditos, outros publicados em revistas e jornais, tem o grande mérito de nos proporcionar uma visão ampla do universo ficcional de Maria Valéria Rezende.

Com a sabedoria de costume, a autora aborda questões essenciais do ser humano: as paixões, a vaidade, o desejo, a inveja, o medo da morte. A Ceifadeira, aliás, é citadamente explicitamente nas três epígrafes do livro, o que nos induz a pensar que seja um leitmotiv, mas até isto pode ser uma falsa pista. Na verdade, ela fala da vida.

É de se supor que Maria Valéria Rezende tenha escrito alguns contos com um sorriso irônico nos lábios, com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e outros com o semblante turvo pela indignação. Machado de Assis, influência maior, é citado e transformado em personagem em dois contos, O Perfeito Bibliotecário e Da Lapa ao Cosme Velho. Há um dedo de Kafka no arrepiante O Muro, e uma pitada de Voltaire e outros satiristas tempera várias narrativas.

Quando escreve em primeira pessoa a escritora personifica de tal modo os sentimentos e angústias que corremos o risco de achar que se tratam de experiência vividas por ela. Habilidade ilusionista, que só os grande narradores conseguem executar com perfeição. Quando se torna onisciente, seu olhar se embebe de humanidade, para o bem e para o mal. Pode ser cruel, sarcástica, piedosa, mas jamais complacente. Sua vocação de contadora de histórias é inseparável de sua opção pela denúncia dos desmandos e injustiças do mundo.

Maria Valéria Rezende, já consagrada como romancista maior, demonstra seu virtuosismo literário nestes contos exemplares. Autopsiando sentimentos, apontando a lanterna para desvios de comportamento e mostrando o ridículo ao qual todos, no final das contas, estamos expostos, enquanto vivermos.

(A Face Serena, editora Penalux, 2017)


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