Sexta-feira, quando saí de uma reunião de trabalho na Avenida Paulista, me deparei com uma cena curiosa. Sob o vão do Masp, um homem fazia um discurso entusiasmado para meia dúzia de estudantes que o ouviam, atentos. Ao lado, um cartaz anunciava o fim do mundo, em 20/12/2012, quando o planeta Vênus vai explodir por estar em sei lá que conjunção com outros planetas. Claro que o homem tinha bilhetes para a salvação “com Jesus”, e quem não comprar agora afundará nas trevas.
Parei um pouco, divertido com a conversa. De repente, meu foco visual se ajustou para o fundo da cena, onde um cartaz anunciava as exposições do museu. Caramba, há quanto tempo não entro no Masp? Calculei que faria bem trocar a hora de almoço por um reencontro com as obras que marcaram minha juventude.
O museu não é o mesmo que conheci pela mão de meu pai, em meados do século passado. Nem mesmo quando passava longas tardes por lá, na época de estudante, em 1979, com uma namorada que estudava Artes Plásticas. Os famosos painéis de vidro criados por Lina Bardi, que faziam os quadros flutuarem no andar inteiro como se fosse grande instalação, não existem mais. Hoje tem uma cara mais tradicional, parece com outros museus, digamos, comuns: quadros pendurados em paredes (ou divisórias). Mas que quadros!
Além do acervo permanente, com obras que sempre tenho prazer em rever, como quem revê velhos amigos, o que me provocou o impulso de entrar foi a exposição de Modigliani. Ecoou na lembrança a voz de minha mãe, que sempre dizia “Modi, le maudit” quando se referia ao perturbado artista. E também as grandes mulheres nuas, mulheres-paisagem, sempre com braços ou pernas cortadas, que incendiavam minha imaginação infantil nos livros de arte de meu pai. Não eram os nus clássicos ou românticos, que não me causavam nenhum frisson erótico, acostumado que estava com aquelas imagens desde pequeno. Era uma coisa diferente, ao mesmo tempo provocante e inatingível.
Pois este Grande Nu está lá, claro, além de vários retratos famosos. No primeiro piso, descendo o elevador, uma bem organizada exposição conta a história de Amadeo Modigliani, através de painéis didáticos e uma linha do tempo, desde que saiu de Livorno, na Itália, até a morte em Paris, aos 36 anos. No meio do caminho, as bebedeiras, drogas, mulheres, amigos e inquietações artísticas. Nota-se claramente o percurso estético do artista, oscilando entre a herança romântica, a influência primitiva (como suas esculturas se parecem com máscaras africanas!) e as revoluções que ocorriam à sua volta, como o Cubismo.
As fotos (há várias) são fascinantes. Creio que fiquei mais tempo diante delas que das obras. Jeanne Hébuterne, a jovem com quem viveu os últimos anos, era linda. Suicidou-se, grávida de 8 meses, no dia seguinte à morte do “mauldit”. Tinha apenas 21 anos.
Modigliani conviveu com muitas estrelas, na Paris do início do século XX. Há fotos dele com Picasso, Brancusi, Cocteau, Apollinaire, Kisling, Juan Gris, Soutine… Retratou vários amigos, fez um único auto-retrato, que também está exposto no Masp.
Aliás, retrato é o que não falta. Entre no Google Imagens e digite “Modigliani”: você não verá uma única paisagem ou natureza morta! A não ser que considere aquelas grandes mulheres nuas uma espécie de paisagem. Aí é outra viagem…