Ler ou escrever?

Uma amiga querida me cobra escrever mais sobre literatura no Facebook. De fato, falo mais de política e de passarinhos, no dia a dia desse lugar de papo rápido e sem muito compromisso. Guardo os textos mais reflexivos sobre literatura para o meu blog, Fósforo, e alguns portais onde opino regularmente, como o A Terra É Redonda.

O fato de ter obras publicadas parece criar na cabeça das pessoas a imagem – um tanto romântica – de um sujeito que vive escrevendo, lendo e refletindo sobre literatura. Um cara dispersivo como eu, se vivesse no século XIX, sem TV, internet, cinema e música radiofônica, passaria as noites nas tabernas e cabarés, e não escrevendo pacientemente à luz de velas como os grandes mestres da época.

Reconheço que há pessoas assim no século XXI. Admiro escritores que produzem mais que galinhas de raça, pondo ovos de forma incessante. Muitos conseguem ser saborosos e nutritivos na maior parte do tempo, mesmo com o parco milho com que a realidade brasileira os remunera.

Na verdade, sou um leitor que às vezes escreve. Borges certa vez comentou que ler é uma atitude mais civilizada que escrever. Podemos escrever com raiva, com ódio, com amor, com loucura. Ler, não. É sempre consciente, requer um preparo do corpo e do espírito para fruir a “rosa profunda” de que falava o mestre argentino.

O garoto que começou a ler com voracidade na infância e atravessou a adolescência descobrindo o mundo através da literatura, continua um garoto. Ou melhor, um leitor. Não dá mais pra ler na cama por uma hora antes de dormir, pois as costelas reclamam. A obrigação de ler noticiários, balanços, contas e discursos acabam diminuindo a quantidade de horas dedicadas ao simples prazer. Mas continuo me esforçando.

Enfim, amiga, estou terminando mais um romance. Um policial bem paulista, cuja trama se inicia no Vale do Ribeira, dentro de uma caverna, passa pelo Bairro da Luz, na capital, e termina… bem, não vou dizer como nem onde termina, embora já tenha o desfecho desenhado na cabeça. Escrevi umas quarenta páginas há uns três anos, esteve parado por dois anos, quase comecei outro sobre um marinheiro que vem com a esquadra de Cabral à Ilha de Vera  Cruz, depois Terra de Santa Cruz, mas resolvi finalizar o inacabado.

Enfim, ler é muito mais satisfatório e gratificante que escrever. Quando termino de ler um livro compensador, sinto-me enriquecido, algo de novo se acrescentou. Quando termino de escrever um conto ou um romance, sinto-me esvaziado. Parece que algo que estava aqui dentro foi embora.

Falta-me o espírito de vendedor, de autopromoção, que invejo em tantos colegas. É com certo esforço envergonhado que mostro os livros que escrevi. Chego a ter contos premiados em concursos, assinados com pseudônimo, e que nunca publiquei…

Enfim, um pouco de terapia talvez funcione.

(ilustração: Lênio Braga)

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