Arquivo para julho \27\-02:00 2008

ANA – Titane

Tenho há muitos anos uma paixão secreta pela cantora mineira Titane. Ela não sabe disso, claro. Titane sempre me encantou com sua voz afinadíssima e a preocupação estética com os ritmos e temas ligados à sua terra. Mesclando raízes folclóricas com novíssimos compositores, desde final dos anos 80 me impressionou pela coerência musical e originalidade das abordagens.

Com o novo disco, ANA (seu nome de batismo), Titane dá um mergulho na modernidade. Sem deixar de lado a eufonia acústica, lança mão de recursos eletrônicos e efeitos de estúdio que potencializam as possibilidades de seu timbre cristalino.

Ousou mais. Colocou na rede o CD (www.titane.com.br), disponibilizando as faixas para livre audição e cópia. Chega ao extremo interativo de colocar duas faixas com recursos que permitem ao ouvinte brincar com a edição, criando novas texturas.

A direção musical de Rafael Martini e Renato Villaça realça as requintadas paisagens imaginárias por onde sua voz passeia. Um punhado de canções de suave expressividade, distante da teatralidade habitual de seus shows, mas com toques inusitados. Titane, renovada e surpreendente, continua a me encantar.

(publicado primeiramente na Revista Música Brasileira)

A batalha final

Esta semana fui parar na periferia de S. José dos Campos, no Vale do Paraíba. Jardim S. José I e II, um daqueles conjuntos habitacionais que representam bem o descaso de certos administradores em relação ao bem estar da população.

Gente que morava (mal, certamente)  em favelas próximas ao centro da cidade, foi removida e “instalada” a vários quilômetros dali, do outro lado da Via Dutra,  com transporte precário e sem infra-estrutura, distantes do comércio, de farmácias, de hospitais, de supermercados e, provavelmente, de seus empregos.

Até aí, não há grande novidade. Políticas de segregação são freqüentes em nosso país. O que eu ainda não tinha visto é o estranho senso de humor dos burocratas da prefeitura (tucana, pra quem quiser saber), que batizaram uma das ruas com o inusitado nome de Armagedon…

Rua simples, sem árvores, casas sem acabamento. Crianças correm e brincam durante o dia, o medo se instaura à noite. Será o palco da batalha final entre o bem e o mal? Ou apenas de mais uma escaramuça?

Nummarius iudex

Justiça

Sei lá por que estranhos caminhos, esta expressão latina que estava há anos adormecida em minha memória aflorou com força nestes últimos dias.

Juiz venal é a tradução, em bom português. E não foi certamente por causa de algum juiz de futebol que me lembrei disso, mas por causa dessa espécie de “juiz dos juízes” que é o presidente do STF, Gilmar Mendes.

Nomeado por FHC em 2002, depois de ter sido advogado-geral da União, o arrogado rábula foi denunciado, à época, pelo jurista Dalmo de Abreu Dallari, em artigo publicado na Folha de SP:

“Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. (…) o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais alta corte do país”.

Dalmo dixit. E esta senhora de vendas nos olhos aí de cima deve estar envergonhada com a matreira caolhice do indigitado cidadão.

Sobre um balão vermelho

Le Ballon Rouge

Há muuuitos anos, na Cinemateca Lasar Segall, ali na Vila Mariana, assisti a esta pequena obra-prima, do francês Albert Lamorisse. Era uma cópia velha e riscada (o filme é de 1956!), mas saí em estado de encantamento.

A engenhosa simplicidade do filme, que acompanha as aventuras de um balão que segue um menino pelas ruas de Paris, fez com que ganhasse o Festival de Cannes, na categoria média metragem (o filme tem 30 minutos), além de um Oscar de roteiro original. E põe original nisso!

Vemos ali uma escola poética e visual aparentada do cinema de Jacques Tati, onde as palavras se tornam desnecessárias para transmitir emoções. Crianças ficam fascinadas, e adultos também. Creio que este filme foi um dos grandes motivos pelos quais resolvi estudar cinema, e depois ter realizado alguns curtas de animação. Olhando para trás, depois de ter rumado para outros caminhos, sinto que perdi algo na viagem.

Pois não é que o filme acaba de reestrear em São Paulo, com cópia restaurada, e acompanhado de outro filme do diretor (O Cavalo Branco, de 1953)? Já havia perdido as esperanças de assistir em circuito comercial essas coisas tão, tão… anti-comerciais!

Agora só falta entrar em cartaz Um Dia, Um Gato, filme tcheco de 1963 que me levou a entender, ainda menino, que o cinema podia ser mágico sem truques eletrônicos e digitais. Aliás, naquela época, digital era apenas a marca que deixávamos com o dedão lambuzado de tinta na carteira de identidade.

Em 2007 o diretor Hou Hsiao Hsien teve a ousadia de refilmar a história do balão vermelho. Novamente em Paris, com a sofisticação que a tecnologia proporciona quando usada com sensibilidade, Le Voyage du Ballon Rouge tem sido muito elogiado. Espero que não demore 40 anos para ser exibido por aqui. Ainda mais, porque tem Juliette Binoche no elenco…

Gastronomia no Cinema

Estômago

Depois de mais de 100 dias sem ir ao cinema, começo a tirar o atraso. E fui fisgado pelo Estômago, que apesar do título estranho, é excelente. João Miguel está ótimo, assim como todo o elenco de apoio. Boa história, contada em dois tempos distintos, ambientação perfeita, final arrepiante.

Na saída, ali na rua Augusta, me lembrei de uma mostra realizada no Cine Sesc, há muitos anos, que se intitulava “A Gastronomia no Cinema”. Na época, deve ter sido uma dificuldade juntar títulos sobre o tema, tanto que o filme que encerrava a semana era Tubarão, do Spielberg…

Hoje já é possível programar um filme por dia por uma quinzena, e ainda sobrar alguns no estoque. Do maravilhoso Festa de Babette ao esperto Ratatouille, do grotesco A Comilança ao policial Quem Matou os Grandes Chefes, do mexicano Como Água Para Chocolate ao ítalo-novaiorquino A Grande Noite. E, claro, um de meus favoritos: Tampopo – Os Brutos Também Comem Spaghetti, filme japonês dos anos 80 que merece ser revisto.

Existe até site especializado no assunto, com lista de filmes, olha só. E mesmo assim, certamente existem no mundo mais filmes sobre fome que sobre comida, por mais ligados que sejam esses temas. Dá o que pensar…


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