O cinema segundo Chico Lopes

Na Sala Escura

Não, Chico Lopes não é um cineasta. Homem das palavras, romancista e contista de admiráveis recursos, poeta de versos marcantes e cronista de olhar certeiro, sempre foi um apaixonado pelo cinema. E é contando a história desta paixão, surgida na pequena Novo Horizonte, na década de 60, que ele abre a coletânea de ensaios Na Sala Escura (editora Penalux, 2014).

            Durante muitos anos Chico escreveu sobre cinema para o Instituto Moreira Sales, em Poços de Caldas. Textos de apresentação, resenhas e comentários que eram compartilhados com o público, e que jamais têm a pretensão de querer ensinar como ver os filmes, mas de ampliar a experiência do olhar com inteligência e lucidez.

            O texto flui com naturalidade, como se estivéssemos conversando numa mesa de bar com um interlocutor espirituoso, culto e generoso. Nada de pedantismos acadêmicos ou desconstrucionismos linguísticos, mas narrativa vivenciada e saborosa, capaz de incorporar novos ângulos e perspectivas à lembrança que temos dos filmes.

            Como se trata de uma coletânea, Chico selecionou o que lhe pareceu mais relevante e capaz de “provocar reflexões”. Fã confesso de Hitchcock, parte do mestre para analisar alguns dos filmes mais marcantes de suspense e terror de todos os tempos, de diretores como Kubrick, De Palma, Lynch ou Jack Clayton (de Os Inocentes).

            É claro que há ensaios interessantíssimos sobre outros gêneros. Desde o brasileiro A Hora da Estrela (Suzana Amaral) até O Leopardo (Visconti), passando pelo Céu Que Nos Protege (Bertolucci), Chico discute as complexas (e muitas vezes mal resolvidas) relações da matriz literária com os filmes resultantes. Para isso analisa os respectivos romances de Clarice Lispector, Lampedusa e Paul Bowles, entre outros, com olhar atento e, podemos dizer, cinematográfico. Para completar, escreve um belo texto sobre um de meus filmes favoritos, Blade Runner.

               Mas isso não significa uma leitura submissa, crente numa verdade absoluta. O livro não é uma bíblia, felizmente. Discordei de algumas opiniões, briguei com Chico em vários momentos, discuti em silêncio durante certas passagens, como quando se refere ao cinema brasileiro contemporâneo. Mas foi uma discussão boa, que me fez repensar pontos de vista, e me deu vontade de chamar a próxima rodada e continuar a conversa. Essa é a melhor provocação que existe!

            Chico Lopes destaca no subtítulo do livro, que o cinema é “a arte de sonhar com os olhos abertos”. Terminamos a leitura de Na Sala Escura  com a certeza de que algo se ampliou em nosso conhecimento sobre cinema, não no sentido técnico, mas no humano. E provoca a vontade de rever e re-sonhar as obras citadas, agora com olhos mais abertos e sabidos.

2 Respostas to “O cinema segundo Chico Lopes”


  1. 1 Giba 10/10/2014 às 6:54 pm

    Meus caros boa tarde. Uma bela coincidência: O escritor Chico Lopes, que é também artista pintou um quadro chamado “O Choro” referenciando a IV Semana Seu Geraldo de Música. Ambos assuntos aqui apresentados.
    Saudações e Obrigado.


  1. 1 Um novo olhar sobre o velho faroeste | FÓSFORO Trackback em 02/08/2015 às 12:41 am

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